quarta-feira, 13 de maio de 2009



Dor Elegante

Paulo Leminsk

um homem com uma dor
e muito mais elegante
caminha mesmo de lado
como se chegando atrasado
chegasse mais adiante

carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa, um milhão de dólares
ou coisa que os valha

ópios, éden analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo o que me sobra
sofrer vai ser a minha última obra
quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse mil faces
num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante
um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade,
eu e você,
caminhando junto
ali
ali
se
se alice
ali se visse
quanto alice
viu e não disse
se ali ali se dissesse
quanta palavra
veio e não desce
ali
bem ali
dentro da alice
só alice
com alice
ali se parece
eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
quem está por fora
não segura
um olhar que demora
de dentro do meu centro
este poema me olha
isso de querer
ser exatamente
aquilo que a gente é
ainda vai nos levar além
(in "Distraído Venceremos" Ed. Brasiliense, 1987)

1.
lembrem de mim
como de um que
ouvia a chuva
como quem assiste missa
como quem hesita, mestiça,
entre a pressa e a preguiça
2.
já me matei
faz muito tempo
me matei quando o tempo era escasso
e o que havia entre o tempo e o espaço
era o de sempre
nunca mesmo o sempre passo
morrer faz bem à vista
e ao baço melhora o ritmo do pulso
e clareia a alma
morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma
Quem nunca viu que a flor,
a faca e a fera
tanto fez como tanto faz,
e a forte flor que a faca faz
na fraca carne, um pouco menos,
um pouco mais,
quem nunca viu a ternura
que vai no fio da lâmina samurai,
esse, nunca vai ser capaz.
Paulo Leminski
1944, Curitiba, Paraná, 24 de agosto, nascimento de Paulo Leminski Filho. Filho de Paulo Leminski e Áurea Pereira Mendes Leminski
1964, São Paulo, SP, publicação de poemas na revista Invenção, porta voz da poesia concreta paulista.
1968, casamento com a poeta Alice Ruiz.
Filhos: Miguel Ângelo, falecido aos 10 anos; Áurea Alice e Estrela.
1970/1989, Curitiba, Paraná, redator de publicidade.
Músico e letrista. Canções gravadas por Caetano, A Cor do Som.
1975, Curitiba, PR, publicação de Catatau, um romance experimental.
1980/1986, São Paulo, colaborador do suplemento Folhetim, do jornal Folha de São Paulo; também colaborador da revista Veja.
1984/1986, Curitiba, PR, tradutor de Alfred Jarry, James Joyce, John Fante, John Lennon, Samuel Becktett e Yukio Mishima
1986, São Paulo, SP, publicação do livro infanto-juvenil Guerra dentro da gente.
1989 – Curitiba, PR, 07 de junho: morte.
Paulo Leminski foi um estudioso da língua e cultura japonesas e publicou em 1983 uma biografia de Bashô. Sua obra tem exercido marcante influência em todos os movimentos poéticos dos últimos 20 anos.

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