sexta-feira, 27 de agosto de 2010

fulinaimagem

vestígios do homem no planeta


Fulinaimagem


1

por enquanto
vou te amar assim em segredo
como se o sagrado fosse
o maior dos pecados originais
e a minha língua fosse
só furor dos canibais

e essa lua mansa fosse faca
a afiar os versos que inda não fiz
e as brigas dde amor que nunca quis
mesmo quando o projeto
aponta outra direção embaixo do nariz
e é mais concreto que a argamassa do abstrato

por enquanto
vou te amar assim adirando o teu retrato
pensando a minha idade
e o que trago da cidade
embaixo as solas dos sapatos

arturgomes
http://musadaminhacannon.blogspot.com/



Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar


Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.


O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...


Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.


Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.


cecília meireles

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A poética de mais e menos

direto do JB ON LIne

Se posto ao lado da tendência mais comum na recente poesia brasileira, zero ponto zero, de Igor Fagundes, sobressairá porque desfaz a falha polarização que segrega lirismo e cerebralismo (como se um poema lírico fosse elaborado nos pés); se posto ao lado da tradição dos poetas maiores, no Brasil e no Ocidente, ele achará um ambiente cativo porque colhe, com engenho e emoção, o que é mais alardeado em nosso tempo para desmerecer o objeto do alarde, fazendose dentro e fora da época; se posto isolado, o percurso até aqui efetuado pela obra do autor dotao de luz candente, porque é imensa a qualidade que distingue este livro dos três anteriores (os quais já apresentavam pontos plausíveis).

Um fator a dar maior solidez a zero ponto zero é a exibição de um poeta senhor de sua voz, apesar das múltiplas falas.

Confluindo o rigor da técnica com a ausência de maiúsculas, a erudição com temas corriqueiros, Igor Fagundes é tradicional sem ser tradicionalista; é moderno sem ser modernista (já nas epígrafes, assinadas por Heráclito e Paulo Henriques Britto). Trata-se de um poeta a manifestar em seu livro vigorosa captação crítica da realidade numa forma de escrita originalíssima.

O livro realiza, do início ao fim, um expressivo exercício irônico, porque nele tudo obedece a uma rigorosa disposição matemática: “ok, você venceu: há sim uma ordem / intrínseca ao correr, vagar das páginas”, diz “plano cartesiano”.

A maioria dos 65 textos é numerada de -31 a +31, tendo como eixo o “ponto zero”, o que subverte a numeração convencional.

O primeiro e o último texto evidenciam a unidade circular da obra, visto serem identificados com o símbolo do infinito (apondo-se ao primeiro o sinal negativo e ao primeiro, o p o s i t ivo ) .

Apesar do corpo numérico, a razão de ser do livro é denunciar e rejeitar a enganosa e danosa algebrização do viver, seja no âmbito específico do livro –

“de um livro quase todo em formas fixas
espera-se o equilíbrio, a simetria
e como se negasse a própria sina
aponta para o oposto dessa trilha”

– no do sujeito –

“calculados de acertos
meus pecados:
erro-me assim
tão exato”

– e no da existência, em sentido mais amplo –

“e a vida morre quando se dá conta
em matemática, tão certa, falha”.

Ao lado da ironia (aqui entendida em seu sentido original, “questionamento”), destacase uma atividade metalinguística que por toda a extensão do livro reflete acerca de sua natureza, sem nunca cair na gratuidade teórica.

Na seção “positiva” da peça (em que os textos recebem sinal de mais), os poemas-algarismos de zero a nove têm como tema o próprio número que os indica. E um aspecto da grandeza de zero ponto zero (ao lado de sua aguda cosmovisão) é a extrema coesão de todos os seus fatores em todas as suas partes; dessa forma, estes poemas não apenas falam sobre os números intituladores.

Cria-se com eles um pano de fundo para que o já dito torne-se inédito, como nesta belíssima passagem de

“dois”:

“não à preguiça de pensar dicotomias
como se tudo fosse antônimo e simplista
(...) sim ao limite em que começa e não termina
a comunhão das coisas, gentes, como rimas
sim ao casal, se o amor dos pares chega ao ímpar
ao singular plural e ao filho que culmina
sim ao que é não, se a partir dele, a vida afirma-se
e em cada enjambement a morte em verso adia-se”.

Essa poética impactante, que se poderia classificar como “de peso”, quebra sucessivamente qualquer aparência de maniqueísmo ou de monotonia. Mas entre as investidas de envergadura teórica, presentifica a leveza de um amor adolescente (o que se soma à negação da vida em aritmético regresso) no texto “romântico”, termo de baixo calão para a poesia contemporânea:

“curta seu love, tire uma casquinha
amar é sair junto, ao cine e após
tomar um ice cream numa pracinha
e nele derreterse, ao sol, e a sós”.

Quarta-feira, 25 de Agosto de 2010

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

além da janela

sobre o guarda noturno
que vigia minha
rua
sobre o traficante
que vende na mesma
rua
sobre o mendingo
ruminando uma miséria
que é tão sua
três estrelas brilham
esculpem silêncios
num céu que sussurra nos tímpanos da
eternidade
além da janela
de meu quarto
guardas noturnos
traficantes
e mendingos
amam e deixam de amar
vivem e morrem
odeiam e deixam de odiar
assim como o casal
que se beija ao meu lado
ou
como o garçon de olhar cansado
que me traz a cerveja
enquanto a vida
extirpa o coração
dos sonhos
nos altares da
realidade
e nos lábios da mocidade
no olhar dos velhos
que esperam
deuses natimortos
ofertam-nos preces
de morte reciclada

Fernando Freire
Gama, - DF -18.08.2010



Riverdies
21 de agosto – Garage – Praça da Bandeira - Rio


Fulinaimagem



Fulinaimagem

1

por enquanto
vou te amar assim em segredo
como se o sagrado fosse
o maior dos pecados originais
e a minha língua fosse
só furor dos canibais

e essa lua mansa fosse faca
a afiar os versos que inda não fiz
e as brigas dde amor que nunca quis
mesmo quando o projeto
aponta outra direção embaixo do nariz
e é mais concreto que a argamassa do abstrato

por enquanto
vou te amar assim adirando o teu retrato
pensando a minha idade
e o que trago da cidade
embaixo as solas dos sapatos


onde teus pés bailarina dançam cato os vestígios do tempo onde teus olhos bailarina olham um gato passeia no teu colo e na vidraça o giz derrama poesia escritas com punhos de ontem em tua cidade de serras onde teus braços bailarina sustentam tuas mãos que colhem uvas coloco águas de chuva para que teus vinhedos não cessem estejam sempre em meus caminhos e deles brotem da flor o fruto sagrado e os teus segredos guardados entre os teus lábios de vinho

2

o que trago embaixo as solas dos sapatos
é fato. bagana acesa sobra do cigarro
é sarro. dentro do carro
ainda ouço Jimmi Hendrix quando quero
dancei bolero sampleando rock and roll

pra colher lírios
há que se por o pé na lama
a seda pura foto-síntese do papel
tem flor de lótus
nos bordéis Copacabana
procuro um mix da guitarra de Santanna
com os espinhos da Rosa de Noel.

arturgomes
http://artur-gomes.blogspot.com/


É das uvas roxas que abocanho
em tua boca e em teu fruto exposto
que faço meu vinho, meu sangue,
que para ti como um rio corre,
minha paixão, muso do meu canto
vindo do fundo da terra,
basalto e magma, esperma
de fundas furnas e de grutas
e das fendas submersas
de onde atocaiado tu me espias,
para ti meu canto, um também roxo canto
uivando das entranhas, mãos, garganta
a me dizer: vida
a ser trazida
entre os dentes
atravessada
tal uma faca.

Olga Savary


entriDentes


olhei a cara do tempo
ela estava fechada
não me dizia nada

pensei as sagaraNAgens
que o tempo fazia comigo
peguei do tempo o umbigo
cortei na ponta da faca

e a tua cara de vaca
sangrei sem nenhum remorso
porque isso o tempo não tem

agora o tempo sorri
me mostra os dentes da boca
e a tua cara de louca
é a minha cara também


jura NÃO secreta

quero dizer que ainda arde
tua manhã em minha tarde
a tua noite no meu dia

tudo em nós que já foi feito
com prazer inda faria

quero dizer que ainda é cedo
ainda tenho um samba-enredo
tudo em nós é carnaval
é só vestir a fantasia

quero ser teu mestre/sala
e você porta/bandeira
quando chegar na quarta feira
a gente inventa outra fulia

unplugged


quero bota no seu Orkut
um negócio sem vergonha
um poema descarada

ta chegando fevereiro
e meu rio de janeiro
fica lindo e mascarado

quero botar no seu e-mail
um negócio por inteiro

que eu não sou zeca baleiro
pra ficar cantando a mama
que ainda tem medo do papa

meu negócio é só com a mina
que me trampa quando trapa
meu negócio é só a mina
que me canta ouvindo o rappa

arturgomes
http://artur-gomes.blogspot.com

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

vazio

onde era vôo de pássaros
(os pássaros estavam quietos).
Uma febre roía meus ouvidos:
voltei mais velha (exilada)
com um toque de infância entre meus dedos,
reserva de sal dentro dos olhos.

Olga Savary



a esperança me o-
briga a caminhar
em círculo em tor
-no do globo em tor-
no de mim mesmo em
torno de uma mesa
de jogo
até que o zodíaco
pára e a noite costura-
me a boca a
retrós preto/ mas
eu fico impresso
no olho do dia obsoleto
viagem em círculo
sem ida nem vinda
sem nenhuma avenida
adeus com a mão esquerda/ amanhã
recomeço
minha lida
entre um e outro
julho entre um e outro crepúsculo a
cidade que busco
como hei de encon-trá-la
ouço-lhe a
fala mas estou na
outra sala/ amanhã
sem endereço
recomeço
o meu começo

a esperança é um círculo
no zodía-co na ciranda na
roleta na rosa do
circo na roda do
moinho amanhã recomeço
meu caminho

E me pergunto:
em que lado do glo-
bo terá
cessado o
diálogo da ovelha
e do lobo ?

II

a esfera em torno
de si mesma
me ensina a espera
a espera me ensina
a esperança
a esperança me ensina
uma nova espera
a nova espera
me ensina de novo
a esperança na esfera

a esfera em torno
de si mesma me ensina
a espera a espera
me ensina a esperança
a esperança me ensina
uma nova espera
a nova espera me ensina
uma nova esperança
na esfera a esfera
em torno de si mesma
me ensina a espera
a espera me ensina
a esperança a esperança
me ensina uma nova
espera a nova espera
me ensina uma nova
esperança na esfera

Dedé Muylaert

Meu mestre, senhor da poesia, to louco pra montar alguma loucura contigo.
espero que vc esteja bem e produzindo bastante. Vê se vc gosta:

1

Enquanto escrevo
o poema me renega
digo o que não devo
escrevo o que não traço
e ocasionalmente faço

A Linha do provável
ultrapasso .
Frequentemente
Às vezes, lasso
não escrevo nem faço
nem passo nem fico
identifico
e aí sou eu mesmo
de braços abertos
preso num abraço
como um escuro do cinema
perante o meu dilema:
pau no poema ou é só cena
poeminha diadema?

Dedé Muylaert