por enquanto vou te amar assim em segredo como se o sagrado fosse o maior dos pecados originais e a minha língua fosse só furor dos canibais
e essa lua mansa fosse faca a afiar os versos que inda não fiz e as brigas dde amor que nunca quis mesmo quando o projeto aponta outra direção embaixo do nariz e é mais concreto que a argamassa do abstrato
por enquanto vou te amar assim adirando o teu retrato pensando a minha idade e o que trago da cidade embaixo as solas dos sapatos
Se posto ao lado da tendência mais comum na recente poesia brasileira, zero ponto zero,de IgorFagundes, sobressairá porque desfaz a falha polarização que segrega lirismo e cerebralismo (como se um poema lírico fosse elaborado nos pés); se posto ao lado da tradição dos poetas maiores, no Brasil e no Ocidente, ele achará um ambiente cativo porque colhe, com engenho e emoção, o que é mais alardeado em nosso tempo para desmerecer o objeto do alarde, fazendose dentro e fora da época; se posto isolado, o percurso até aqui efetuado pela obra do autor dotao de luz candente, porque é imensa a qualidade que distingue este livro dos três anteriores (os quais já apresentavam pontos plausíveis).
Um fator a dar maior solidez a zero ponto zero é a exibição de um poeta senhor de sua voz, apesar das múltiplas falas.
Confluindo o rigor da técnica com a ausência de maiúsculas, a erudição com temas corriqueiros, Igor Fagundes é tradicional sem ser tradicionalista; é moderno sem ser modernista (já nas epígrafes, assinadas por Heráclito e Paulo Henriques Britto). Trata-se de um poeta a manifestar em seu livro vigorosa captação crítica da realidade numa forma de escrita originalíssima.
O livro realiza, do início ao fim, um expressivo exercício irônico, porque nele tudo obedece a uma rigorosa disposição matemática: “ok, você venceu: há sim uma ordem / intrínseca ao correr,vagar das páginas”,diz“plano cartesiano”.
A maioria dos 65 textos é numerada de -31 a +31, tendo como eixo o“ponto zero”, o que subverte a numeração convencional.
O primeiro e o último texto evidenciam a unidade circular da obra, visto serem identificados com o símbolo do infinito (apondo-se ao primeiro o sinal negativo e ao primeiro, o p o s i t ivo ) .
Apesar do corpo numérico, a razão de ser do livro é denunciar e rejeitar a enganosa e danosa algebrização do viver, seja no âmbito específico do livro –
“de um livro quase todo em formas fixas espera-se o equilíbrio, a simetria e como se negasse a própria sina aponta para o oposto dessa trilha”
– no do sujeito –
“calculados de acertos meus pecados: erro-me assim tão exato”
– e no da existência, em sentido mais amplo –
“e a vida morre quando se dá conta em matemática, tão certa, falha”.
Ao lado da ironia (aqui entendida em seu sentido original, “questionamento”), destacase uma atividade metalinguística que por toda a extensão do livro reflete acerca de sua natureza, sem nunca cair na gratuidade teórica.
Na seção “positiva” da peça (em que os textos recebem sinal de mais), os poemas-algarismos de zero a nove têm como tema o próprio número que os indica. E um aspecto da grandeza de zero ponto zero (ao lado de sua aguda cosmovisão) é a extrema coesão de todos os seus fatores em todas as suas partes; dessa forma, estes poemas não apenas falam sobre os números intituladores.
Cria-se com eles um pano de fundo para que o já dito torne-se inédito, como nesta belíssima passagem de
“dois”:
“não à preguiça de pensar dicotomias como se tudo fosse antônimo e simplista (...) sim ao limite em que começa e não termina a comunhão das coisas, gentes, como rimas sim ao casal, se o amor dos pares chega ao ímpar ao singular plural e ao filho que culmina sim ao que é não, se a partir dele, a vida afirma-se e em cada enjambement a morte em verso adia-se”.
Essa poética impactante, que se poderia classificar como “de peso”, quebra sucessivamente qualquer aparência de maniqueísmo ou de monotonia. Mas entre as investidas de envergadura teórica, presentifica a leveza de um amor adolescente (o que se soma à negação da vida em aritmético regresso) no texto “romântico”, termo de baixo calão para a poesia contemporânea:
“curta seu love, tire uma casquinha amar é sair junto, ao cine e após tomar um ice cream numa pracinha e nele derreterse, ao sol, e a sós”.
sobre o guarda noturno que vigia minha rua sobre o traficante que vende na mesma rua sobre o mendingo ruminando uma miséria que é tão sua três estrelas brilham esculpem silêncios num céu que sussurra nos tímpanos da eternidade além da janela de meu quarto guardas noturnos traficantes e mendingos amam e deixam de amar vivem e morrem odeiam e deixam de odiar assim como o casal que se beija ao meu lado ou como o garçon de olhar cansado que me traz a cerveja enquanto a vida extirpa o coração dos sonhos nos altares da realidade e nos lábios da mocidade no olhar dos velhos que esperam deuses natimortos ofertam-nos preces de morte reciclada
Fernando Freire Gama, - DF -18.08.2010
Riverdies 21 de agosto – Garage – Praça da Bandeira - Rio
Fulinaimagem
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por enquanto vou te amar assim em segredo como se o sagrado fosse o maior dos pecados originais e a minha língua fosse só furor dos canibais
e essa lua mansa fosse faca a afiar os versos que inda não fiz e as brigas dde amor que nunca quis mesmo quando o projeto aponta outra direção embaixo do nariz e é mais concreto que a argamassa do abstrato
por enquanto vou te amar assim adirando o teu retrato pensando a minha idade e o que trago da cidade embaixo as solas dos sapatos
onde teus pés bailarina dançam cato os vestígios do tempo onde teus olhos bailarina olham um gato passeia no teu colo e na vidraça o giz derrama poesia escritas com punhos de ontem em tua cidade de serras onde teus braços bailarina sustentam tuas mãos que colhem uvas coloco águas de chuva para que teus vinhedos não cessem estejam sempre em meus caminhos e deles brotem da flor o fruto sagrado e os teus segredos guardados entre os teus lábios de vinho
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o que trago embaixo as solas dos sapatos é fato. bagana acesa sobra do cigarro é sarro. dentro do carro ainda ouço Jimmi Hendrix quando quero dancei bolero sampleando rock and roll
pra colher lírios há que se por o pé na lama a seda pura foto-síntese do papel tem flor de lótus nos bordéis Copacabana procuro um mix da guitarra de Santanna com os espinhos da Rosa de Noel.
É das uvas roxas que abocanho em tua boca e em teu fruto exposto que faço meu vinho, meu sangue, que para ti como um rio corre, minha paixão, muso do meu canto vindo do fundo da terra, basalto e magma, esperma de fundas furnas e de grutas e das fendas submersas de onde atocaiado tu me espias, para ti meu canto, um também roxo canto uivando das entranhas, mãos, garganta a me dizer: vida a ser trazida entre os dentes atravessada tal uma faca.
Olga Savary
entriDentes
olhei a cara do tempo ela estava fechada não me dizia nada
pensei as sagaraNAgens que o tempo fazia comigo peguei do tempo o umbigo cortei na ponta da faca
e a tua cara de vaca sangrei sem nenhum remorso porque isso o tempo não tem
agora o tempo sorri me mostra os dentes da boca e a tua cara de louca é a minha cara também
jura NÃO secreta
quero dizer que ainda arde tua manhã em minha tarde a tua noite no meu dia
tudo em nós que já foi feito com prazer inda faria
quero dizer que ainda é cedo ainda tenho um samba-enredo tudo em nós é carnaval é só vestir a fantasia
quero ser teu mestre/sala e você porta/bandeira quando chegar na quarta feira a gente inventa outra fulia unplugged
quero bota no seu Orkut um negócio sem vergonha um poema descarada
ta chegando fevereiro e meu rio de janeiro fica lindo e mascarado
quero botar no seu e-mail um negócio por inteiro
que eu não sou zeca baleiro pra ficar cantando a mama que ainda tem medo do papa
meu negócio é só com a mina que me trampa quando trapa meu negócio é só a mina que me canta ouvindo o rappa
onde era vôo de pássaros (os pássaros estavam quietos). Uma febre roía meus ouvidos: voltei mais velha (exilada) com um toque de infância entre meus dedos, reserva de sal dentro dos olhos.
Olga Savary
a esperança me o- briga a caminhar em círculo em tor -no do globo em tor- no de mim mesmo em torno de uma mesa de jogo até que o zodíaco pára e a noite costura- me a boca a retrós preto/ mas eu fico impresso no olho do dia obsoleto viagem em círculo sem ida nem vinda sem nenhuma avenida adeus com a mão esquerda/ amanhã recomeço minha lida entre um e outro julho entre um e outro crepúsculo a cidade que busco como hei de encon-trá-la ouço-lhe a fala mas estou na outra sala/ amanhã sem endereço recomeço o meu começo
a esperança é um círculo no zodía-co na ciranda na roleta na rosa do circo na roda do moinho amanhã recomeço meu caminho
E me pergunto: em que lado do glo- bo terá cessado o diálogo da ovelha e do lobo ?
II
a esfera em torno de si mesma me ensina a espera a espera me ensina a esperança a esperança me ensina uma nova espera a nova espera me ensina de novo a esperança na esfera
a esfera em torno de si mesma me ensina a espera a espera me ensina a esperança a esperança me ensina uma nova espera a nova espera me ensina uma nova esperança na esfera a esfera em torno de si mesma me ensina a espera a espera me ensina a esperança a esperança me ensina uma nova espera a nova espera me ensina uma nova esperança na esfera
Dedé Muylaert
Meu mestre, senhor da poesia, to louco pra montar alguma loucura contigo. espero que vc esteja bem e produzindo bastante. Vê se vc gosta:
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Enquanto escrevo o poema me renega digo o que não devo escrevo o que não traço e ocasionalmente faço
A Linha do provável ultrapasso . Frequentemente Às vezes, lasso não escrevo nem faço nem passo nem fico identifico e aí sou eu mesmo de braços abertos preso num abraço como um escuro do cinema perante o meu dilema: pau no poema ou é só cena poeminha diadema?