terça-feira, 18 de outubro de 2011

POEMA DA MORTE ANUNCIADA



Em fevereiro de 2001, escrevi um poema dedicado a Janis Joplin, Jimi Hendrix e Jim Morrison, impressionado que estava com a infeliz coincidência de os três terem deixado essa vida aos 27 anos. Nunca o publiquei. Esse acaso-não-acaso do Universo nos levou Amy Winehouse, aos 27 anos, a mais talentosa artista surgida nos anos 2000. O poema, agora, também, é dedicado a ela.


JANIS & JIMI & JIM; A MORTE AOS 27
(AGORA, TAMBÉM PARA AMY)


paraíso & paixão – doce encanto da juventude

a vida exulta na garganta, sibila nas cordas, nos sons
nos cabeludos dentes de ouro
- fogo dionisíaco dos pássaros

o Senhor é Rock
- rola nas veias & no sangue & nas línguas
& nas jubas ruivas e negras das revoluções

27 & pós & fumaça
: não há rosto sob as babas e barbas
: não há elo entre a linguagem e a palavra primitiva

corta-se o cordão umbilical com Deus quando se morre aos 27
nada é brinquedo ou jardim quando se morre aos 27
o futuro não tem cidade ou país quando se morre aos 27
peixes afogados em aquários quando se morre aos 27
a alegria sucumbe às nuvens ácidas do céu
quando se morre aos 27

corpos dilacerados atravessam o tempo
e assistem ao riso solto que queima as guitarras
e venta sobre pântanos, pontes, rios, desertos

3 astros, 3 estrelas, 3 mortos aos 27
brilhando num oásis de luzes e facas

e que olhos se acenderam depois do dilúvio?

que desejos selvagens? que música? que inocência?



TANUSSI CARDOSO

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

para heloisa curzio



entre as cores de frida
me kalo
heloísa na curva do abstrato
muito mais que concreto
pincel em transe
tintura em convulsão
eu
que não tenho dedos de aço
muito menos nervos de chumbo
me deito sobre a relva
deixo percorrer a neblina
do nariz
ao dedo grande do pé
todo o corpo fios de cobre
e os olhos na tela
grudados nas dela
belas curvas da mulher

artur gomes

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O delírio é a lira do poeta se o poeta não delira sua lira não profeta

rodrigo mebs




apocalipse

o fim rimará com o início
e do pó
por amor ou por vício
a vida recomeçará

Poucos são os poetas que podem se encaixar no que acredito como ofício D. E Rodrigo Mebs é um deles, e o poema acima é profecia de uma lira que delira como lira de todo grande poeta. Nos conhecemos em Bento Gonçalves em outubro de 2008, no congresso Brasileirode Poesia e aos poucos comecei a captar sua poesia como fruta farta num pomar de carne e osso.

Em 2009 lá mesmo em Bento Gonçalves vieram as convicções que estava diante de um poeta nato. Estava eu bebendo vinho no Bar Dois Coqueiros, quando vi o Rodrigo passar com um cone que havia seqüestrado do Hotel Vino Cap, onde estávamos hospedados correndo em direção ao chafariz que fica em gente o prédio da Prefeitura.

Reunidos frente ao chafariz já estavam Jiddu Saldanha, Marko Andrade, May Paquetti e Rogério Santos, e entre poemas e delírios estava ali em Bento Gonçalves naquela primavera de 2009 lançado o manifesto Poesia no Cone, e o ditado popular lembra que de médico poeta e louco todos nós temos um pouco, mas para Rodrigo Mebs o poeta tem bem mais.

todo cuidado é pouco
cuidado nunca é demais

de médico e louco
o poeta tem bem mais

Se durante o tempo que durou a manifestação já dava para se ter uma nítida certeza sobre as lâminas poéticas despejadas a pleno pulmões pelo poeta nos tímpanos dos gaúchos que por ali passavam na hora do almoço,  no sábado quando nos preparávamos para arrumar as malas de volta, cada um de nós para a sua cidade, eis que o Rodrigo me surpreende com o convite para seguir com ele e Adília, para Floripa.

Não pensei duas vezes, tirei minha bagagem do ônibus que  nos conduziria até o aeroporto em Porto Alegre, e voltei ao Bar Dois Coqueiros onde ele e Adília aguardavam a minha resposta. Bebemos mais algumas cervejas e algumas horas depois decolamos do Rio Grande com destino a Santa Catarina. Durante o trajeto, Rodrigo e Adília trocavam o volante constantemente e Isabela dormia o sono dos anjos, e eu cuidava do carregamento de cervejas que abastecíamos em cada bar que encontrávamos pela estrada.

passado a limpo

cada
 passo
cala um instante
cada vez mais
distante

cada
 esboço
fala
mais que a obra
definida

cada salto
abolindo o poço
cada sonho
re(escrevendo)
a vida

E a viagem de 27 horas entre Bento e Gonçalves e Floripa, foi para mim como um passado a limpo, esboço mais que obra definida, estava ali a estrada, a escrita que viria povoar o pensamento durante a temporada inesperada pelas praias catarinenses. Rodrigo como a sua poesia, é carregado de faíscas da surpresa, relâmpagos do inesperado, suas palavras brotam em todas as direções, setas, signos, sílabas cada quais com os seus muitos significados.

horizonte em chamas

fim de tarde                     magnífico
o horizonte arde
o sol se apaga no pacífico


Em Florianópolis foram 7 dias e noites reVirando os versos, os bares, a ilha, as praias, as ruas e praças além de mais uma vez, a visita do inesperado, do outro lado da Ilha da Conceição, onde passamos uma noite sob um manto sagrado de  estrelas e o barulho da água batendo na porta da casa que nos hospedou. Aquela noite do acaso ficou  cravada na pele da memória, como a poesia que
Rodrigo falava para os grilos que cantavam até a luz do sol entrar pela fresta das janelas.


Artur Gomes



pedidos de casamento


de súbito me pedes
para ser concreto
alicerces
paredes
e teto
portas invioláveis
janelas encerradas
mentiras irrefutáveis
fobias escancaradas
datas e ditos
gostos e gestos
odiosos de tão amáveis
lembranças
de esquecimento
mudanças de horário
festas de aniversário
pedidos de casamento
...
sinto muito
mas neste momento
prefiro ser o vento
à jiddu saldanha


ouvindo bem
tudo que li 
acho que vi
e até senti
hayan rúbia por aí


fotografia indecifrável


arte ou coisa diferente
sob lentes quem explica?
tudo é nada coerente
que silentes amplifica
cores mudas quase ausentes
nada aqui se justifica
se poesia assim fabrica
quem sabe o que significa?



espíritos crípticos


encerrados no papel
meus escritos mais bonitos
em algum lugar ao léu 
em tinta encarnada
coisa assim 
esperado ser ressuscitada
é tanto tudo e quase nada
se for poesia
um dia vai ser lembrada
lírico líquido
vem o sol secar a chuva
e o vapor tem cheirinho de terra

o que me lembra alguma infância

num cantinho do quintal
ainda brinco de ser livre
feito espírito d'água
que se move como água
que precipita e evapora
em alegrias e mágoas

em razão do alvorecer

cadê a vírgula
que viria antes do dia?

amanheceu
assim de súbito
como se a manhã já fosse
ontem
e hoje fosse
mais um susto

sim
a noite teve fim

ao menos para mim
que vi no sol
um imenso ponto final

ecos do fim

vez por outra
se procura
quem te encontra
e o que te conta
então te diz
que não dá
pra ser feliz

vez em quando
te aninhas
noutras camas
mais sozinhas
não as minhas

hora ou outra
vem bater
à minha porta
me pedir
o que não tem
nem terá volta

camuflagem

o mal se esconde
nos olhos do querer
bem onde o bem
não pode ver

sentimento remetente

daqui te envio liras
ainda que sejam tuas
todas palavras minhas
daqui remeto linhas
ainda que se leiam teias
ainda que se leiam ruas
ainda que se leiam veias
que de sangue e vinho
é que fiz o meu caminho
distendido em fios de ouro
lembrando teus cabelos
ou teus tantos outros belos
que compõem meu tesouro

Rodrigo Mebs lançou o livro OU Por amor OU Por Vício, no XIX Congresso Brasileiro de POesia, em Bento Gonçalves. Mais poesia do Rodrigo leia aqui http://frutafarta.blogspot.com 

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A POESIA DE LUIZ OTÁVIO OLIANI



Luiz Otávio Oliani e Artur Gomes no Hotel VinoCap em Bento Gonçalves durante o XIX Congresso Brasileiro de Poesia

Luiz Otávio Oliani em 1ª Antologia poética Momento Lítero Cultural, janeiro de 2010.


A Revista Ponto Doc publicou dois poemas de Luiz Otávio Oliani e respectivas traduções para o inglês, francês, italiano e espanhol. Na página da revista é possível ler “BIOGRAFIA” e a versão inglesa; bem como o poema “TERESA” em versões francesa, italiana e espanhola. Basta acessar o endereço abaixo e procurar a seção POEMAS.


POEMAS DO LIVRO “FORA DE ÓRBITA”, DE LUIZ OTÀVIO OLIANI, EDITORA DA PALAVRA, RIO DE JANEIRO, 2007.



RESGATE
como posso resgatar
o que não existe em mim?
ao beijar a solidão
eu me dispo por inteiro
da escória que é o homem
na inútil tentativa
de ser Deus por um minuto

TERRITÓRIO
         “O que não sei fazer desmancho em frases”
            Manoel de Barros


brota em mim o verbo
com suas pessoas

desconjugá-las não posso

em mim
a palavra
se faz morada


HERANÇA
não deixo bens
aos que ficam

de mim
restará a palavra
(antes cinzel)
agora verso
a burilar os homens


DESCOBERTA
nada detém a vida

esvai-se o tempo
o tempo em mim

caramujo do imo
guardo porta-retratos

aqueço a memória:
a infância me foi roubada


PARTILHA
a mão estendida
abençoa o trigo

à procura do ponto
ágeis dedos
manipulam a massa
do mundo

mas a vida só faz sentido
quando se reparte o pão




LABUTA          A João de Abreu Borges
em sua própria vida
o homem finca raízes

atravessa árvores
mata fungos

sem olhar para trás
e perceber: os frutos

não mera consequência


BOEMIA
hoje a lua é verso
de loucos, de putas
e de poetas

hoje a lua é verso
prazer bêbado
regaço


COTIDIANO
há vísceras
em todos os lugares

quem se indigna
diante de quem sangra?

In: Fora de órbita, Editora da Palavra, 2007.





POEMAS DO LIVRO ESPIRAL, DE LUIZ OTÁVIO OLIANI, EDITORA DA PALAVRA, 2009.


MÃOS DESUNIDAS

não serei o poeta do passado
embora dele me alimente

canto o presente
que Drummond não vê

nada de serafins
cartas de suicida
- os homens aterraram
a palavra amor
num canteiro de obras

as mãos desunidas
traduzem: os espinhos
inda sufocam as flores


CASA

faço do silêncio
a morada do ser

não lhe digo
palavras duras
nem amorteço quedas

apenas guardo
a concha
em que abrigo
a solidão dos homens


FOME

ao roçar a boca da solidão
entre auroras e estrelas
mastigo minha dor

em que língua nos falamos?


RABO-DE-ARRAIA
         A Igor Fagundes

ao som do berimbau
batuque ginga cadência

o poeta luta
capoeira
com a palavra


NÁUTICA
  A Olga Savary

navego
em tua essência

mergulho nos seixos
que te habitam
mas não naufrago

o mar nos pertence


TRANSFORMAÇÃO
           A Antonio Carlos Secchin

toda linguagem
é selva
a ser devastada

toda linguagem
é terra
a ser adubada

toda linguagem
é pedra
a ser limada


REINADO


      A Lêdo Ivo

enterra palavras
em alto-mar

como tesouro
às escondidas
qual pirata
faze das águas
a cidade de teus versos

FAXINA

a menina varre os dias
tenta limpar
a própria escória

como espanar o pó,
livrar-se do fardo?

longe daquela casa
passa o amor

ALTO- MAR

teias de solidão
no oceano

o navio não mais atraca

de nada servem
a âncora enferrujada
o mastro sem bandeira
a quilha
o radar

todos se foram

só o mar permanece
cúmplice dos desamores do mundo


LIÇÃO DE PORTUGUÊS
        A Patrícia Blower

amar, verbo transitivo?
amar é verbo de ligação
entre dois sujeitos

in: Espiral, Editora da Palavra, Rio de Janeiro, 2009.


LUIZ OTÁVIO OLIANI nasceu a 12/04/1977 no Rio de Janeiro. É graduado em Letras e Direito.  Como poeta, tem presença marcante no movimento poético carioca a partir da década de 90. Em maio de 2000, foi homenageado com a medalha “Só para Lembrar” no recital “Versos Noturnos” organizado pela SPOC. É detentor de mais de 50 prêmios literários. Consta em mais de 45 antologias de literatura e em mais 300 publicações entre jornais, revistas e alternativos (Jornal Rascunho, Revista Poesia Sempre, Jornal de Letras, Revista do Escritor Brasileiro, Poesia Viva, Panorama, Literatura & Arte, Correio de Poesia, Jornal Rio e Letras, Sulfato Ferroso, Literarte, Revista Poesia para Todos, Jornal O Capital, Revista O Grito, Leiamigos, Jornal Maring aense, Radar, Jornal O Nheçuano, O Literário, Jornal Calçadão Ideal, Notas Literárias, Liriconcreto, Revista Papangu, A Tribuna do Escritor, Jornal Tipo Carioca, Papo & Poesia, Momento de Pausa, Jornal O Sábio, Boca Suja, Contagia Poesia, O Mundo não me Entende, Jornal A Cidade, Diário da Manhã, Jornal O Sábio, O Boêmio, Revista do Grande Meyer, Jornal A Voz, Nozarte, Poetizando, Jornal do Enéas, Correio do Sul, APPERJ, Revista Ponto Doc, Jornal Cultural Mensageiro, Escritos, SPN, Jornal Alto Madeira, Revista Renovarte, Revista Literária Plural, Revista Agulha, Letras Santiaguenses, Nikkei Bungaku do Brasil, etc.) Foi publicado em castelhano na Revista Provincia, Argentina, 2004. Consta, ainda, em diversas páginas virtuais como: Blocos on Line; Poesia dos Brasis; Alma de Poeta; Diversos Afins; Meio Tom; João do Rio, Revista internética; Fan zine Escritos; Jornal Aldrava, Blog Leituras Favre, A Cigarra, Conexão Maringá, Vidráguas, Aliás, Germina Literatura, Revista Mambembe, Plástico Bolha, Suíte das Letras, Varal de Poesia, Revista Cerrado Cultural, Nova Poesia Brasileira, Diário do Morro, etc. Publicou dois livros pela Editora da Palavra: "Fora de órbita", 2007; recomendado pelo Jornal de Letras, em outubro de 2007 e citado com destaque no texto “O ano literário de 2007”, por André Seffrin, na Revista Literária da Academia Brasileira de Letras nº 56 e "Espiral", 2009; citado como destaque em “O ano literário de 2009, o segundo semestre” publicado Revista Literária da Academia Brasileira de Letras nº 62 e na Revista dEsEnrEdoS. Participou do CD Poemas musicados por Maury SantÂ?Ana, música em poesia, volume 1.Tem poemas traduzidos para o ingl ês, francês, italiano e espanhol na Revista Ponto Doc número 7, edição de 2009, além de vasta fortuna crítica sobre sua obra.

sábado, 8 de outubro de 2011

o duplo


o duplo

debaixo de minha mesa
tem sempre um cão faminto
- que me alimenta a tristeza

debaixo de minha cama
tem sempre um fantasma vivo
- que perturba quem me ama

debaixo de minha pele
alguém me olha esquisito
- pensando que eu sou ele

debaixo de minha escrita
há sangue em lugar de tinta
- e alguém calado que grita.

Affonso Romano de Sant´anna