segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Alucinações InterpoÉticas

o que é que mora
em tua boca Bia
um Deus um anjo
ou muitos dentes claros
como os olhos do diabo
e uma estrela como guia
?

o que é que arde
em tua boca Bia
azeite sal pimenta e alho
résteas de cebola
carne crua do k ralho
um cheiro azedo de cozinha
tua boca é como a minha
?

o que é que pulsa
em tua boca Bia
mar de eternas ondas
que covardes não navegam
rios de águas sujas
onde os peixes se apagam
?

ou um fogo
cada vez mais Dante
como este em minha boca
de poeta/delirante
nesta noite cada vez mais dia
em que acendo os meus infernos
em tua boca Bia
?

artur gomes
http://multiartecultura.blogspot.com

ENGENHOS

O amor
é doce
como o céu da sacarose
da mais pura linhagem.

O amor
é doce
como o mel da sacanagem
da mais puta overdose
que o produziu.

O amor
é acaso.
(ocasos, arrebóis
nada tem
nada com isso).

O amor
é um caso
flagrante
triturado a todo
caldo,
trucidado a
todos-os-dias
por nossas almas
e corpos
diletantes.

marco valença.
http://olhonolho.blogspot.com/

Boca do Inferno


Jura Secreta 14

eu te desejo flores lírios brancos girassóis
rosas vermelhas margaridas
tudo quanto pétala
asas estrelas borboletas
alecrim bem-me-quer e alfazema

eu te desejo emblema
deste poema desvairado
com teu cheiro
teu perfume teu suor teu sabor tua doçura

e na mais santa loucura
declarar-te amor até os ossos
eu te desejo e posso
palavrArte até a morte
enquanto a vida nos procura

Artur Gomes
Nação Goytacá – presidente
http://goytacity.blogspot.com/

eu te penetro
em, nome o do pai
do filho
do espírito santo
amém

não te prometo
em nome
de ninguém


terra,
antes que alguém morra
escrevo prevendo a morte
arriscando a vida
antes que seja tarde
e que a língua da minha boca
não cubra mais tua ferida

entre/aberto
em teus ofícios
é que meu peito de poeta
sangra ao corte das navalhas
e minha veia mais aberta
é mais um rio que se espalha

amada de muitos sonhos
e pouco sexo
deposito a minha boca
no teu cio
e uma semente fértil
nos teus seios
como um rio

o que me dói é ter-te
devorada por estranhos olhos
e deter impulsos
por fidelidade

ó terra incestuosa
de prazer e gestos
não me prendo ao laço
dos teus comandantes
só me enterro à fundo
nos teus vagabundos
com um prazer de fera
e um punhal de amante
minha terra é de senzalas tantas
enterra em ti milhões de outras esperanças
soterra em teus grilhões a voz que tenta
- avança – plantada em ti
como canavial que a foice corta
mas cravado em ti me ponho a lua
mesmo sabendo o – vão –
estreito em cada porta

usina
mói a cana
o caldo e o bagaço
usina
mói o braço
a carne o osso
usina
mói a fruta
o sangue e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço
e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam:
o saldo e o lucro


arturgomes
http://tropicanalice.blogspot.com

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Ode ao Chocolate


“ come chocolate menina come chocolate
e não há mais metafísica no mundo
do que comer chocolate’
fernando pessoa

amo esta mulher
que me lembe em chocolate
como menina travessa
me levando ao cheque mate
na subida da brigadeiro
com avenida luiz antônio
me arrastando na augusta
e o que me custa
dar-te-me em brigadeiro
com gosto de beijos na boca
agora que me chamam
o louco da paulista
e nem Oswald sequer eu sou
Mário muito menos
Itamar um tanto quase
Edvaldo mais ainda
cão das periferias
com essa voragem vadia
em dia de aniversário
e essa mulher me invade
com seu desejo de doce
e se poeta eu não fosse
ou mesmo se fosse um padre
rasgaria toda batina
como esse fogo me rasga
e a levaria pra casa
de brigadeiros da esquina
por todas honras de um vate
e lambuzaria a menina
com meus dedos de chocolate

Artur Gomes
http://multiartecultura.blogspot.com/

domingo, 23 de agosto de 2009

imbuia

imbuir-me
na loucura
nunca mais à imbuia
ir

embuir-me
no esquecimento
e à imbuia partir

embuir-me
na coragem
de imbuia não
sentir

imbuir-me na lembrança
em imbuia
finir

Jaciara
S.

Memorial das Laranjeiras

o livro e tua pele de sombras
atravessa o túnel do tempo
com a tua carcaça sem alma

vejo teus olhos acesos
e sonho o nome do que vejo
verlaine talvez nos seguisse
parasse o trem no momento

santa úrsula e santa bárbara
dormem dentro da pedra
ao lado do palácio
bem perto do perigo

passeiam por trás das memórias

oxossi que nos proteja
por estes ossos de fedra
em cada prece que eu reze
para encantar as serpentes
para esquecer o que seja
na tua boca sem beijo


por quantos e-mails postados
no livro o nosso infinito
do antes agora depois

arturgomes
http://multiartecultura.blogspot.com/



Jura secreta 84

não estando aqui
mas como se estivesse
e esse poema fosse fruto
uva manga pêra pêssego
em tua pele de seda
fosse setembro já vindo
outubro que nos espera
palavra espora ou espuma
em tuas mãos como plumas
em tua língua de púrpuras
quando me fala do agora
do corpo que treme de febre
ou grita paixão entre os poros
e salta saudade entre os pêlos
como se fosse esta tarde
o dia em que conhecemos
um outro outubro lá dentro
das veias e vivas memórias
de azul vestida de rendas
na sala eu te olhava de longe
depois te peguei pelos braços
e poemas falei bem de perto
na tua boca me via
dentro os teus olhos pulsavam
peguei tuas mãos que tremiam
e o pulso já pela garganta
este poema uma planta
em tua carne sedenta
de águas cervejas de vinhos
e nestas linhas te bebo
como voraz passarinho

arturgomes
Nação Goytacá
http://goytacity.blogspot.com/

LENTE RETRATISTA

Quando a idéia não é tua
Nem tão minha
Menos mal
Vira idéia iluminada
Vira coisa canibal
Vira quadro na parede
Fome emoldurada
Outra sede surreal
Vira santa ceia
Réstia de breu
Que se ateia
Vira fogo e clareia
Sol deserto
Mar à vista
Avião que o ar
Tira da pista
Vira nau de água
Fina estampa escafandrista
Vira imagem concretista
Visagem
Na idéia de miragem
Nossa lente retratista.

Renato Gusmão

o poeta me viu

bastou um olhar
e pode ver
a mola mestra
da aprendiz
que sou

a escolha que fiz
no avesso e apesar
da sorte adversa
de não pesar
de ser feliz

poeta é quem vê
o que não é de dizer
e ainda assim
diz

Alice Ruiz



Nação Goytacá Elege Diretoria

Em Assembléia realizada na tarde do último sábado dia 22 de agosto de 2009, na Rua das Palmeiras 13, em Campos dos Goytacazes, a Associação de Arte e Cultura Esporte e Lazer, n Nação Goytacá, elegeu a sua primeira Diretoria para um mandado de 2 anos de acordo com o seu Estatuto.
Terminada a Assembléia a Diretoria foi empossada e o Caldeirão Cultural rolou pela
madrugada a dentro na Taberna D Tutty, com as Bandas Eixo Nacional Skate Rock e Evolução da Espécie com intervenções poéticas dos poetas Artur Gomes e Adriano Moura

Diretoria Eleita

A primeira Diretoria da Nação Goytacá está assim constituída:
Presidente - Artur Gomes
Vice Presidente – Romualdo Braga
Secretária – Aucilene Freitas
Segunda Secretária – Adriana Medeiros
Tesoureira – Indrid de Mello Monteiro

Conselho Fiscal
Titulares:
Wellington Cordeiro
Alexandro Florentino
Maurício D Tutty

Suplentes:
Luiz de Souza Ribeiro Filho
Márcio de Aquino
Álvaro de Siqueira Manhães

Além da Diretoria Executiva, dentro das atribuições que o Estatuto da ONG Nação Goytacá confere ao seu Presidente, Artur Gomes, nomeou outros sócios fundadores, nas seguintes funções:

Diretor de Patrimônio - Harlem Pinheiro
Diretor Cultural – Adriano Moura
Diretor de Arte – Wellington Cordeiro
Diretor de Esporte – Water da Silva Klein
Diretor de Comunicação – Vítor Menezes
Diretora de Educação e Pesquisa – Vera Vasconcellos
Diretoras de Ações Sociais – Loana Rios e Mariângela Dias
Diretor Jurídico – Fernando M. Silva

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Esfinge

o amor
não e apenas um nome
que anda por sobre a pele
um dia falo letra por letra
no outro calo fome por fome

e que a pele do teu nome
consome a flor da minha pele

cravado espinho na chaga
como marca cicatriz
eu sou ator ela esfinge
clarisse/beatriz

assim vivemos cantando
fingindo que somos decentes
para esconder o sagrado
em nosso profanos segredos
se um dia falta coragem
a noite sobra do medo

na sombra da tatuagem
sinal enfim permanente
ficou pregando uma peça
em nosso passado presente

o nome tem seus misterios
que se esconde sob panos
o sol e claro quando nao chove
o sal e bom quando de leve
para adoçar desenganos
na língua na boca na neve

o mar que vai e vem
não tem volta
o amor e a coisa mais torta
que mora lá dentro de mim
teu ceu da boca e a porta
onde o poema não tem fim

artur gomes
http://poeticasfulinaimicas.blogspot.com/




Vídeo filmado em Bento Gonçalves com a participação de Érica Ferri. trilha sonora de Zeca Baleiro sobre poema de Salgado Maranhão

domingo, 9 de agosto de 2009



olhos nos olhos

olhos líquidos
olhos secos
olhos doces
olhos salgados
olhos de areia
olhos nos óleos
olhos murchos
de peixe morto
olhos de sereia
olhos podres
olhos vivos
olhos que olhos
que me olhos
olhos de gato
olhos da noite
olhos de lince
olhos de águia
olhos de presa
olhos de medo
olhos de lágrimas
olhos míopes
hipermétropes
olhos estrábicos
olhos de vidro
olhos com lentes
olhos tristes
olhos contentes
olhos de sim
olhos de não
olhos da lei
olhos dos homens
olhos de deus
olhos de vento
olhos de furacão
olhos acesos
olhos apagados
olhos de santo
olhos de pecado
olhos serenos
olhos chapados
olhos raivosos
olhos quentes
olhos gélidos
olhos polares
olhos meus
olhos mais
olhos distintos
de tão iguais
olhos ausentes
olhos de gente
olhos azuis
olhos verdes
olhos castanhos
olhos negros
brancopacos
olhos cegos olhos vendo
custam os olhos
os olhos da cara
os olhos do rosto
os olhos do resto
os olhos do reto
os olhos do cu.

rodrigo mebs.
http://frutafarta.blogspot.com/

Não me procures ali Onde os vivos visitam Os chamados mortos. Procura-me Dentro das grandes águas Nas praças Num fogo coração Entre cavalos, cães, Nos arrozais, no arroio Ou junto aos pássaros Ou espelhada Num outro alguém, Subindo um duro caminho Pedra, semente, sal Passos da vida. Procura-me ali. Viva.

Hilda Hilst

in Da morte, Odes Mínimas

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Um vago desejo
porventura alivia
o mórbido consórcio
Versátil fraternidade
Incesto precauto a desvanecer,
Devanear

Volúvel aceno em vão
desiderium

As voltas com o despovoado
vagamundear
Em meio a sonâmbulos
insones, insanos sanados
Instável vagido
Ímpia compreensão

Ao vazio que a tudo detém
mover-me
Minudenciar
o evanescente avantesma
avaro de si

Jaciara S.

Ilha

Tanto pra ir
como pra voltar
sempre o mar
a me contornar.

Sou ilha,
entre nós,
só há água,
sem trilha.

Tanto faz
como tanto fez,
aqui jaz
imersa à minha tez!

Ilha fui,
serei,
eternamente,
me sei!!!

Ada Fraga
Vitória, 26/11/2008.



se eu canto
pouso a língua entre os dentes
rente
onde a saliva espraia
pele espuma arraia
algas de algum mar
distante
ondas de um pulsar
instante
em que 0 sol
nave metal aclara
areia
como se fosse
pele
conchas em tua
boca lua
nua dentro do mar
sereia
o canto
cravado na lua cheia
sangue
pulsante na tua veia
quando
piso na tua praia


arturgomes
http://arturgomesvideopoesia.blogspot.com/





desagosto

noutro dia um cão raivoso
espumando versos pela boca,
disse sol à nuvem louca
e o inverno inverso, rigoroso,
fez-se ainda mais intenso!
punhal de gelo na carne pouca,
que racha, sangra e estanca
entre a pele e a roupa.
mas, o andarilho lindo e asqueroso,
como brilho de amor, imenso,
ainda trilha as ruas sujas
nas cidades do que eu penso.

rodrigo mebs.
http://frutafarta.blogspot.com/



quase quasar

cravada de dia,
de luz que se irradia
tal qual e quanto antes,
a água clara e grata
cravada de diamantes.
diamantes solares,
serpentes de prata
sobre a face dos mares.
sementes de crepúsculo
enraizadas, contas, colares
no solo maiúsculo das ondas,
e nas tuas mãos em concha,
feito estranho molusco.
quase um quasar, caracol,
a guardar o som do mar
e as manhãs de sal e de sol.

rodrigo mebs.
http://frutafarta.blogspot.com/




LOUCURA

Esqueço a loucura
objeto
e sujeito refletidos
no entrelaçamento do presente:

a dúvida em linhas
enredadas refaz
mentes acostumadas
ao ordinário. A loucura

traduz adágios: o pensamento
exemplifica atrasos e o salto
(inelástico)
da responsabilidade.

Atento ao discurso paradigmático
da sobrevivência lembro a loucura
objeto
e trajeto do sujeito
apático ao faz de conta.

Pedro Du Bois, inédito
outros poemas:
http://pedrodubois.blogspot.com/
http://valeemversos.blogspot.com/

segunda-feira, 3 de agosto de 2009




O Hóspede Despercebido


Deixei alguém nesta sala que muito se distinguia de alguém que ninguém se chamava, quando eu desaparecia. Comigo se assemelhava, mas só na superfície. Bem lá no fundo, eu, palavra, não passava de um pastiche. Uns restos, uns traços, um dia, meus tios, minhas mães e meus pais me chamarem de volta pra dentro, eu ainda não volte jamais. Mas ali, logo ali, nesse espaço, lá se vai, exemplo de mim, algo, alguém, mil pedaços, meio início, meio a meio, sem fim.


Paulo Leminski


[do livro Distraídos Venceremos]


Bananas podres


Como um relógio de ouro o podre oculto nas frutas sobre o balcão (ainda mel dentro da casca na carne que se faz água) era ainda ouro o turvo açúcar vindo do chão e agora ali: bananas negras como bolsas moles onde pousa uma abelha e gira e gira ponteiro no universo dourado (parte mínima da tarde) em abril enquanto vivemos
E detrás da cidade (das pessoas na sala ou costurando) às costas das pessoas à frente delas à direita ou (detrás das palmas dos coqueiros alegres e do vento) feito um cinturão azul e ardente o mar batendo o seu tambor queda quitanda não se escuta Que tem a ver o mar com estas bananas já manchadas de morte? que ao nosso lado viajam para o caos e azedando e ardendo em água e ácidos a caminho da noite vertiginosamente devagar? Que tem a ver o mar com esse marulho de águas sujas fervendo nas bananas? com estas vozes que falam de vizinhos, de bundas, de cachaça? Que tem a ver o mar com esse barulho? Que tem a ver o mar com esse quintal? Aqui, de azul, apenas há um caco de vidro de leite de magnésia (osso de anjo) que se perderá na terra fofa conforme a ação giratória da noite e dos perfumes nas folhas da hortelã Nenhum alarde nenhum alarme mesmo quando o verão passa gritando sobre os nossos telhados Pouco tem a ver o mar com este banheiro de cimento e zinco onde o silêncio é água: uma esmeralda engastada no tanque (e que solta se esvai pelos esgotos por baixo da cidade) Em tudo aqui há mais passado que futuro mais morte do que festa: neste banheiro de água salobra e sombra muito mais que de mar há de floresta muito mais que de mar há de floresta Muito mais que de mar neste banheiro há de bananas podres na quitanda e nem tanto pela água em que se puem (onde um fogo ao revés foge no açúcar) do que pelo macio dessa vida de fruta inserida na vida da família: um macio de banho às três da tarde Um macio de casa no Nordeste com seus quartos e salas eu banheiro que esta tarde atravessa para sempre Um macio de luz ferindo a vida no corpo das pessoas lá no fundo onde bananas podres mar azul fome tanque floresta são um mesmo estampido um mesmo grito
E as pessoas conversam na cozinha ou na sala contam casos e na fala que falam (esse barulho)tanto marulha o mar quanto a floresta tanto fulgura o mel da tarde - o podre fogo - como fulgea esmeralda de água que se foi
Só tem que ver o mar com seu marulho com seus martelos brancos seu diurno relâmpago que nos cinge a cintura?
O mar só tem a ver o mar com este banheiro com este verde quintal com esta quitanda só tem a ver o mar com esta noturna terra de quintal onde gravitam perfumes e futuros o mar o mar com seus pistões azuis com sua festa tem a ver tem a ver com estas bananas onde a tarde apodrece feito uma carniça vegetal que atrai abelhas varejeiras tem a ver com esta gente com estes homens que o trazem no corpo e até no nome tem a ver com estes cômodos escuros com esses móveis queimados de pobreza com estas paredes velhas com esta pouca vida que na boca é riso e na barriga é fome
No fundo da quitanda na penumbra ferve a chaga da tarde e suas moscas; em torno dessa chaga está a casa e seus fregueses o bairro as avenidas as ruas os quintais outras quitandas outras casas com suas cristaleiras outras praças ladeiras e mirantes donde se vê o mar nosso horizonte


Ferreira Gullar


PARA UM NEGRO

para um negro
a cor da pele
é uma sombra
muitas vezes mais forte
que um soco.

para um negro
a cor da pele
é uma faca
que atinge
muito mais em cheio
o coração.



EU, PÁSSARO PRETO


eu,
pássaro preto,
cicatrizo
queimaduras de ferro em brasa,
fecho o corpo de escravo fugido
e
monto guarda
na porta dos quilombos.



NEGRO FORRO

minha carta de alforria
não me deu fazendas,
nem dinheiro no banco,
nem bigodes retorcidos.

minha carta de alforria
costurou meus passos
aos corredores da noite
de minha pele.


FAÇA SOL OU FAÇA TEMPESTADE

faça sol ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.

faça sol ou faça tempestade
meu corpo é cercado
por estes muros altos,
— currais
onde ainda se coagula
o sangue dos escravos.

faça sol
ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.


Adão Ventura







Jura secreta 82

tudo que eu quero em outubro
deixar que flua a semana
como flor de lotus que brota
quando se rompe a semente
ou minha língua entre dentes
em tua carne de seda
em tua boca veludo
neste poema nem tudo
cabe de mais abstrato
por tão concreto
que faloco
mo se em meu corpo
estivesse
e jura apenas não fosse
a tua língua tão doce
beijar meus lábios quisesse

artur gomes
http://poeticasfulinaimicas.blogspot.com/





CarNAvalha Gumes


um tiro na cabeça duas facadas na boca do estômago dois tiros no pé quatro tiros no peito e sete nos braços mataram com um balaço esquartejaram o esqueleto no verso do obscuro como se ainda vivêssemos terríveis anos de chumbo e levaram o bumbo pra praça tambores chocalhos cornetas os bobos da corte coitados inocentes palhaços sem graça apenas sorriso amarelo diante a foice o martelo pra obediência da rainha do império do faz de conta nos jardins do mal me quer que não sabem quem foi paulo leminski nem nunca leram charles baudelaire


federico DuBoi


http://federicobaudelaire.blogspot.com/





GO BACK


Você me chama Eu quero ir pro cinema você reclama meu coração não contenta você me ama mas de repente a madrugada mudou e certamentea quele trem já passou e se passou passou daqui pra melhor,foi! Só quero saber do que pode dar certo não tenho tempo a perder
você me pede quer ir pro cinema agora é tarde se nenhuma espécie de pedido eu escutar agora agora é tarde tempo perdido mas se você não mora, não morou é porque não tem ouvido que agora é tarde- eu tenho dito -o nosso amor michou(que pena) o nosso amor, amor e eu não estou a fim de ver cinema (que pena)


Torquato Neto



BANANAS PODRES 4



É a escuridão que engendra o mel ou o futuro clarão no paladar (como quase luz na saliva, e mais: em alguma parte da vida a escuridão engendra o olhar no corpo ansioso de abrir-se à luz)
e o mel que aflui da noite da polpa (e feito dessa noite) fluido podre da polpa da noite do podre(sob a casca) tal como um suicídio ou um alarme ou abafada rotação nas moléculas (e igual que no cosmos cintila) uma balbúrdia de ácidos negros inventando um quase alvorecer na quitanda.
E pense bem: também um tumor é um ponto intenso da matéria viva, de alta temperatura como a gestar um astro de pus(assim se engendram os sóis, os sons no vazio abissal) e assim também as vozes do açúcar (um negro lampejo) que assustam os mosquitos (nuvens deles) pairando no ar dos escusos cantos do depósito de frutas nos fundos da quitanda rua da Alegria esquina de Afogados e que faliu e sumiu para sempre daquela esquina e do mundo, a quitanda, bem como seu dono, o falado Newton Ferreira e seus amigos Zé Dedão, o Cantuária e o Elias,todos que poderiam afirmar que sim, de fato as bananas já estavam passadas, quase inteiramente podres aquela tarde e que ali amontoadas num alguidar fermentavam exalando no ar o doce odor de bananas morrendo o que efetivamente ocorreu na cidade de São Luís do Maranhão ao norte do Brasil por volta de 1940... E foda-se.


FERREIRA GULLAR

PROFISSÃo DE FEBRE

quando chove, eu chovo, faz sol, eu faço, de noite, anoiteço, tem deus, eu rezo, não tem, esqueço, chove de novo, de novo, chovo, assobio no vento, daqui me vejo, lá vou eu, gesto no movimento

paulo leminski

Rural

Plural de boi:
boiada

boiada boi
bovino boi
nada bóia
boi, boiágua

escoa
do campo
pro canto
boicântaro

se amolda
deságua
e crava
no ar

sua cara:
chifre de chofre
rompe, o barro
boicarro.

Armando Freitas Filho