quarta-feira, 24 de agosto de 2011

como se fosse o trigo



eu quero cada fio
de cabelo do teu corpo
enrolado entre meus dedos
e tua língua brincando de medusa
quando vem e me lambuza
na saliva do teu céu da boca
eu não te quero santa
eu te quero insaciável louca
de amor de fome e sede
e que coma do meu corpo
como se comesse poesia
assim como se fosse o trigo
do teu pão de cada dia

arturgomes

terça-feira, 23 de agosto de 2011

monólogo do pé vermelho



amanheci o céu na grama amarelecida
só para comê-lo com pão e margarida

já bem tarde, cansado de ser caçado por uma sombra,
rejeitei as sobras de ser ninguém para ser sol na face de alguém

meio urbano meio caipira tangi vinte liras
fora de moda, pois a moda não é violeta, é de viola

fiz-me assim para ser celestino longe do nepal
caçar rimas e colher sons é uma preferência nacional

nesta noite, quando muitos brigam por sobremesa,
fico de tocaia no prazer de virar a mesa

esfomeado, aguardo a saci astronauta
para complementá-la na perna que lhe falta

saciado, adormeço no seio de um riacho
para acordar numa cama de capim

e assim tudo será como sempre foi:
olhar de índio velho, sorriso de curumim

marco cremasco

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

muito prazer meu nome é poesia


agora que as palavras escorrem nos meus dedos
e provocam ainda mais teus medos
foto grafo as folhas semi-mortas
e essa coisa torta que me corta feito faca
deixo ferir
deixo sangrar
deixo matar
o amor que por acaso me cortou
sem saber o bem que me fez e quis
fosse pelo menos por prazer
deste poema que agora fiz


artur gomes
http://pelegrafia.blogspot.com

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

poética



sito ao centro de um círculo
em maiúsculo másculo músculo
seminu semináufrago centrífugo
esperando que a espiral expire
também espere espíritos signos
suspire outras cifras indecifráveis
sito ao meio equalizo dores equadores
nações de guizos onde também sito
e sinto que também aqui transito

r. mebs

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

METRÓPOLE



somos viajantes do tempo gravado
nas esquinas de nossas avenidas
indiferentes ao concreto armado
nos lábios trêmulos dos homicidas

passamos simplesmente do passado
ao presente ignorando as feridas
abertas por um futuro exumado
da esperança tardia dos suicidas

a vida não é a vítima ou o bandido
nas garras da metrópole, vai além
do que existe entre o gatilho e o estampido

e sabe muito bem o que convém
ao destino do assassino perdido
na solidão de ser no outro, ninguém


RÉQUIEM


ver o pôr do sol
ver pela última vez
o que me resta de pôr do sol

me porei aos seus pés
- doce fim de tarde -
e me desnudarei

(as botas!, não  esqueça das botas...
cochicha-me o meu avô  falecido)

a brisa do fim do dia
a noite de olhares infinitos
o hálito quente da madrugada

desta vez não dormirei
silenciarei pirilampos
com brilhos do meu suor

amanhã estarei de pé
rígido feito um poste
a serviço dos cães

esquecerei luminosidades
para contemplar
os riscos dos mísseis no céu

e estenderei os braços
amparando a todos
na cegueira fértil

de um macaco que lança
ossos no ar
para recolher estrelas



Marco Aurélio Cremasco nasceu em Guaraci, Paraná. Professor na Faculdade de Engenharia Química da Unicamp, tem dois livros técnicos publicados: Fundamentos de transferência de massa (Editora da Unicamp, Campinas, 1998) e Vale a pena estudar engenharia química (Blucher, São Paulo, 2005). Foi um dos fundadores e coeditores da Babel, Revista de Poesia, Tradução e Crítica. Publicou os livros de poemas Vampisales (Editora da Universidade Estadual de Maringá, 1984), Viola Caipira (edição do autor, Campinas, 1995), A Criação (Cone Sul, São Paulo, 1997; Prêmio Xerox e Revista Livro Aberto de Literatura), fromIndiana (edição do autor, West Lafayette, EUA, 2000). Possui o romance Santo Reis da Luz Divina (2004; Prêmio Sesc de Literatura e finalista do Prêmio Jabuti de 2005), o livro de contos Histórias Prováveis (2007) editados pela Record (Rio de Janeiro) e a novela Oco do Mundo (Sereia Ca(n)tadora, Santos, 2011). Em 2010 foi contemplado com a Bolsa Funarte de Criação Literária para a escrita do romance Evangelho do Guayrá.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

mar amar ao mar



mar amar ao mar
derramar o líquido
no teu mar de dentro
e beber o líquido
do teu mar de fora
sugar tua língua
na maré crescente
com essa lua mansa
no teu corpo agora

meu sal meu sol meu sul
que re-invento
e tento não conter a lágrima
nem o cata/vento
a vela singra
a vela sangra
neste mar de angra
vou morrer de sede
ou vou morrer de fome

nas tuas pernas
quero o nome
tatuado em cima
no umbigo
quero a fonte
do teu leite embaixo
dos teus seios
quero tudo
do teu ventre
as costas que ao céu profano
e com os dentes rasgo
fosse pele mesmo ou fosse  pano
como se fosses mar
a transbordar marés
até gozar um oceano


artur gomes