quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

oração por um corpo



© OSCAR BERTHOLDO
1936 - 1991

Não há lugar para o texto, só o corpo.
Mas o corpo cadente é espada no meio
das mãos. Agora é tarde a palavra,
desapareceu a posse das coisas amadas.
O vento que vergara os teus cabelos
construiu a nostalgia de regressar à casa.
Nós somos só pó. Nada mais é texto,
o corpo existe desamparado
campo de tributos. Sem nome cato
o esquecimento. Corpo é texto
cada um joga o corpo para o lado
que quer. De repente o corpo é
conduzido ao mundo mal o vento
rompe o sol e as asas dos pássaros
encaram o dia com o mesmo espanto
possível da infância, o corpo é
sempre só. Trago dentro do texto
o cansaço. Sinto a noite corrompida
dizer teu nome, devagar...
Nenhuma estrela lembra o sexo grunhindo
feito morte escrava. Não há lugar
para o corpo. Se alguém vier, há de
tarjar o texto como sempre.


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Sarau no Sonneto

may pasquetti - fotos:  




Sarau no Sonnetto Retorna em Março

Sonnetto Café - Av. Pelinca - Campos dos Goytacazes


Jura Secreta 18


te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo
peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas íntimas que vestias
sobre os teus pelos ficção

todos os laços dos tecidos
e aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
e o sabor da tua língua
e o baton da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes

e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa


Artur Gomes

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

mel

foto: artur gomes






Mel ( pronome possessivo)

Derramar um sol
em sua praia
Sem céu
Estancar com uvas
Sua areia de sangue
Até vinhar  sua boca:

Mel.

Palavrar sem método
Sua gula em jejum
Pra ouvir o grito

Soletrar  VE-NE-NO
No seu rio de gente
Pra ser minha a secura:

Infinito.

Doer sua nuca
Com minha boca de dedos
E estrangular sua cena

Penetrar sem pena
Seu sexo papel
E escrever um poema:

Só mel.

Adriano Moura




Pétala de Lamparina

III

acordar
com os planos do piano na gaveta

a cilada sinfônica adiada pela chuva

o ódio dos insones
embebidos em pílulas e carneiros

acordar com a brasa
da memória na lareira

o sapo dos encontros
aprisionado no tapete

uma nuvem incerta
mil notícias tortas
voz
sem sede


Ricardo Lima
Pétala de Lamparina
Atelier Editorial - São Paulo - 2010

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

foto grafia




 Pétala de Fogo

tua língua
arde entre meus dentes
na garganta rente
como íngua
desce
onde outra íngua
cresce
entre tua língua
e o que mais me oferece



ARTUR GOMES

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Oficina de Poesia Falada



Oficina de Poesia Falada
Criação e Interpretação
De 4 a 8 de março de 2013
São Conrado – Rio de Janeiro – Brasil
maiores informações: portalfulinaima@gmail.com


Exercícios:

1.      Concentração:
Mergulhar no texto até que seja possível compreender todo o seu universo dramático. Perceber as  nuances de cada verso ou de cada palavra, para a partir daí ter condições de criar uma forma adequada de interpretação através da fala.

2.    Respiração:
Respirar calmamente para relaxar antes de cada leitura até sentir o corpo leve, e através da leitura silenciosa, observar espaços rítmicos do texto para melhor executar a respiração dentro desses espaços que devem ser explorados intensamente.

3.    Memorização:
Executar a leitura silenciosa até ter certeza que o texto está completamente compreendido em todos os seus códigos e significados. A partir daí, começar a executar uma leitura em voz alta, frente ao espelho de preferência, procurando verificar se verso por verso já está grudado na ponta da língua e na pele da memória.



Textos para Exercícios


Ali

se alice 
ali se visse 
quanto alice viu 
e não disse 


se ali 
ali se dissesse 
quanta palavra 
veio e não desce 


ali 
bem ali 
dentro da alice 
só alice 
com alice 
ali se parece




Todo dia é dia D

desde que saí de casa
trouxe a viagem de volta
gravada na minha mão
enterrada no umbigo
dentro e fora assim comigo
minha própria condução
todo dia santo dia
queremos, quero viver
meu coração na bacia
todo dia é dia D
há urubus no telhado
e a carne seca é servida
um escorpião enterrado
na sua própria ferida
não escapa, só escapo
pela porta da saída
todo dia é o mesmo dia
de amar-te, amor-te, morrer
todo dia menos dia
mais dia é dia D

Torquato Neto


No meio do caminho



No meio do caminho tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
tinha uma pedra 
no meio do caminho tinha uma pedra. 

Nunca me esquecerei desse acontecimento 
na vida de minhas retinas tão fatigadas. 
Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
no meio do caminho tinha uma pedra




As seis da tarde
as mulheres choravam
no banheiro.
Não choravam por isso
ou por aquilo
choravam porque o pranto subia
garganta acima
mesmo se os filhos cresciam
com boa saúde
se havia comida no fogo
e se o marido lhes dava
do bom
e do melhor
choravam porque no céu
além do basculante
o dia se punha
porque uma ânsia
uma dor
uma gastura
era só o que sobrava
dos seus sonhos.
Agora
às seis da tarde
as mulheres regressam do trabalho
o dia se põe
os filhos crescem
o fogo espera
e elas não podem
não querem
chorar na condução




Injúria secreta


suassuna no teu corpo
couro de cor compadecida
ariano sábio e louco 
inaugura em mim a vida


pedra de reino no riacho

gumes de atalhos na pedreira
menina dos brincos de pérola
palavra acesa na fogueira
pós os ismos tudo é pós

na pele ou nas aranhas

na carne ou nos lençóis
no palco ou no cinema
a palavra que procuro 
é clara quando não é gema

até furar os meus olhos
com alguma cascata de luz
devassa em mim quando transcende
a lamparina que acende
e transforma em mel o que era pus

 Artur Gomes



Não há Vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabem no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores
está fechado:
“não há vagas”

Só cabem no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema senhores,
não fede
nem cheira

Ferreira Gullar

Direção: Artur Gomes

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

RECEITA PARA LAVAR PALAVRA SUJA



Mergulhar a palavra suja em água sanitária.
depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.
Algumas palavras quando alvejadas ao sol
adquirem consistência de certeza. Por exemplo a palavra vida.

Existem outras, e a palavra amor é uma delas,
que são muito encardidas pelo uso, o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente.

São poucas as que resistem a esses cuidados, mas existem aquelas.
Dizem que limão e sal tira sujeira difícil, mas nada.
Toda tentativa de lavar a piedade foi sempre em vão.

Agora nunca vi palavra tão suja como perda.
Perda e morte na medida em que são alvejadas
soltam um líquido corrosivo, que atende pelo nome de amargura,que é capaz de esvaziar o vigor da língua.

O aconselhado nesse caso é mantê-las sempre de molho
em um amaciante de boa qualidade. Agora, se o que você quer é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar.

O perigo neste caso é misturar palavras que mancham
no contato umas com as outras.
Culpa, por exemplo, a culpa mancha tudo que encontra e deve ser sempre alvejada sozinha.

Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo, já que desejo, sendo uma palavra intensa, quase agressiva, pode, o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade.

Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.
Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras
sob o risco de perderem o sentido.

A sujeirinha cotidiana, quando não é excessiva,
produz uma oleosidade que dá vigor aos sons.

Muito importante na arte de lavar palavras
é saber reconhecer uma palavra limpa.

Conviva com a palavra durante alguns dias.
Deixe que se misture em seus gestos, que passeie
pela expressão dos seus sentidos. À noite, permita que se deite, não a seu lado mas sobre seu corpo.

Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne,
prolifera em toda sua possibilidade.

Se puder suportar essa convivência até não mais
perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa.

Uma palavra LIMPA é uma palavra possível.

Viviane Mosé
Poema vencedor do IV FestCampos de Poesia Falada
Campos dos Goytacazes- 2002

caranguejeros de gargaú





SagaraNAgens Fulinaímicas



guima
meu mestre guima
em mil perdões
eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste
da hygia ferreira bem casta
aqui nas bandas do leste
a fome de carne é madrasta

ave palavra profana
cabala que vos fazia
veredas em mais sagaranas
a morte em vidas severinas
tal qual antropofagia
teu grande serTão vou cumer

nem joão cabral severino
nem virgulino de matraca
nem meu padrinho de pia
me ensinou usar faca
ou da palavra o fazer

a ferramenta que afino
roubei do mestre drummundo
que o diabo giramundo
é o narciso do meu Ser



arturgomes