terça-feira, 21 de julho de 2009

ESTAR ESTANDO

A impressão de estar, o lento
espanto que se repete. Aqui e onde, eis como
povôo ao mesmo tempo dois espaços
ou, mais que isso, passo a noite inteira
vivendo as sensações de um fragmento
que me é próprio, ou é-me o corpo todo,
e de repente vai sem deixar marca
entre o que foi e o há de ser. Deslizo
nessa fronteira vã que não separa
nada e ninguém, passado nem presente, simples
e uniforme
faixa de areia da qual jorram palavras,
visões, retratos, intenções. É sempre agora
e nunca, sempre sono e manhã, sempre uma coisa
que num jogo dual se nulifica
para sobrar de nós sempre esse caldo
de frustração e medo - ou de esperança.


PAISAGEM VOANDO PARA O ORGASMO


Trens sonolentos resfolegam
na gare do escuro rostos antigos se alumbram
e nos sorriem discreta-
mente a razão se estilhaça os sentidos
se destapam os cheiros se condensam os sabores
se associam ao cuspe a vida nos penetra o vento
nos penteia e espalha
por coloridas areias os dias nos dividem
os horários nos limitam a memória escasseia o mar
devolve ondas vazias
em que já fomos levados
nas noites frias de outrora o outro espia o outro espera o outro
nos sedimenta em nosso desvario
e ensina um corpo à solidão
o outro ampara a nossa queda beija
nossos pudores e a boca
sempre entupida de espanto o canto explode
o gato canta a cama range o ar se fende o riso
nos comunica o gosto diferente
desse gesto largado o riso alarga eleva desarruma as gavetas
de nossa servidão coitidiana.


MISSAL SEM CERIMÔNIA

Certo ar de falência, certa estrela
na testa, certa sorte bifronte, certos
objetos entesourados
no fundo de uma mala, certa mágoa
ambígua, o som de certos ambientes, a
impressão incerta de estar numa
travessia sem freios, a defesa
de certos itens na lembrança
caolha, certos
calafrios sem causa, o grau
de inocência e tristeza em certas horas
sombrias, a importância de certos
detalhes, a pergunta não-feita e sua certa
resposta incerta, o brilho
anterior a certos sinais dados
pela palavra espanto.

Leonardo Fróes

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