sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O delírio é a lira do poeta se o poeta não delira sua lira não profeta

rodrigo mebs




apocalipse

o fim rimará com o início
e do pó
por amor ou por vício
a vida recomeçará

Poucos são os poetas que podem se encaixar no que acredito como ofício D. E Rodrigo Mebs é um deles, e o poema acima é profecia de uma lira que delira como lira de todo grande poeta. Nos conhecemos em Bento Gonçalves em outubro de 2008, no congresso Brasileirode Poesia e aos poucos comecei a captar sua poesia como fruta farta num pomar de carne e osso.

Em 2009 lá mesmo em Bento Gonçalves vieram as convicções que estava diante de um poeta nato. Estava eu bebendo vinho no Bar Dois Coqueiros, quando vi o Rodrigo passar com um cone que havia seqüestrado do Hotel Vino Cap, onde estávamos hospedados correndo em direção ao chafariz que fica em gente o prédio da Prefeitura.

Reunidos frente ao chafariz já estavam Jiddu Saldanha, Marko Andrade, May Paquetti e Rogério Santos, e entre poemas e delírios estava ali em Bento Gonçalves naquela primavera de 2009 lançado o manifesto Poesia no Cone, e o ditado popular lembra que de médico poeta e louco todos nós temos um pouco, mas para Rodrigo Mebs o poeta tem bem mais.

todo cuidado é pouco
cuidado nunca é demais

de médico e louco
o poeta tem bem mais

Se durante o tempo que durou a manifestação já dava para se ter uma nítida certeza sobre as lâminas poéticas despejadas a pleno pulmões pelo poeta nos tímpanos dos gaúchos que por ali passavam na hora do almoço,  no sábado quando nos preparávamos para arrumar as malas de volta, cada um de nós para a sua cidade, eis que o Rodrigo me surpreende com o convite para seguir com ele e Adília, para Floripa.

Não pensei duas vezes, tirei minha bagagem do ônibus que  nos conduziria até o aeroporto em Porto Alegre, e voltei ao Bar Dois Coqueiros onde ele e Adília aguardavam a minha resposta. Bebemos mais algumas cervejas e algumas horas depois decolamos do Rio Grande com destino a Santa Catarina. Durante o trajeto, Rodrigo e Adília trocavam o volante constantemente e Isabela dormia o sono dos anjos, e eu cuidava do carregamento de cervejas que abastecíamos em cada bar que encontrávamos pela estrada.

passado a limpo

cada
 passo
cala um instante
cada vez mais
distante

cada
 esboço
fala
mais que a obra
definida

cada salto
abolindo o poço
cada sonho
re(escrevendo)
a vida

E a viagem de 27 horas entre Bento e Gonçalves e Floripa, foi para mim como um passado a limpo, esboço mais que obra definida, estava ali a estrada, a escrita que viria povoar o pensamento durante a temporada inesperada pelas praias catarinenses. Rodrigo como a sua poesia, é carregado de faíscas da surpresa, relâmpagos do inesperado, suas palavras brotam em todas as direções, setas, signos, sílabas cada quais com os seus muitos significados.

horizonte em chamas

fim de tarde                     magnífico
o horizonte arde
o sol se apaga no pacífico


Em Florianópolis foram 7 dias e noites reVirando os versos, os bares, a ilha, as praias, as ruas e praças além de mais uma vez, a visita do inesperado, do outro lado da Ilha da Conceição, onde passamos uma noite sob um manto sagrado de  estrelas e o barulho da água batendo na porta da casa que nos hospedou. Aquela noite do acaso ficou  cravada na pele da memória, como a poesia que
Rodrigo falava para os grilos que cantavam até a luz do sol entrar pela fresta das janelas.


Artur Gomes



pedidos de casamento


de súbito me pedes
para ser concreto
alicerces
paredes
e teto
portas invioláveis
janelas encerradas
mentiras irrefutáveis
fobias escancaradas
datas e ditos
gostos e gestos
odiosos de tão amáveis
lembranças
de esquecimento
mudanças de horário
festas de aniversário
pedidos de casamento
...
sinto muito
mas neste momento
prefiro ser o vento
à jiddu saldanha


ouvindo bem
tudo que li 
acho que vi
e até senti
hayan rúbia por aí


fotografia indecifrável


arte ou coisa diferente
sob lentes quem explica?
tudo é nada coerente
que silentes amplifica
cores mudas quase ausentes
nada aqui se justifica
se poesia assim fabrica
quem sabe o que significa?



espíritos crípticos


encerrados no papel
meus escritos mais bonitos
em algum lugar ao léu 
em tinta encarnada
coisa assim 
esperado ser ressuscitada
é tanto tudo e quase nada
se for poesia
um dia vai ser lembrada
lírico líquido
vem o sol secar a chuva
e o vapor tem cheirinho de terra

o que me lembra alguma infância

num cantinho do quintal
ainda brinco de ser livre
feito espírito d'água
que se move como água
que precipita e evapora
em alegrias e mágoas

em razão do alvorecer

cadê a vírgula
que viria antes do dia?

amanheceu
assim de súbito
como se a manhã já fosse
ontem
e hoje fosse
mais um susto

sim
a noite teve fim

ao menos para mim
que vi no sol
um imenso ponto final

ecos do fim

vez por outra
se procura
quem te encontra
e o que te conta
então te diz
que não dá
pra ser feliz

vez em quando
te aninhas
noutras camas
mais sozinhas
não as minhas

hora ou outra
vem bater
à minha porta
me pedir
o que não tem
nem terá volta

camuflagem

o mal se esconde
nos olhos do querer
bem onde o bem
não pode ver

sentimento remetente

daqui te envio liras
ainda que sejam tuas
todas palavras minhas
daqui remeto linhas
ainda que se leiam teias
ainda que se leiam ruas
ainda que se leiam veias
que de sangue e vinho
é que fiz o meu caminho
distendido em fios de ouro
lembrando teus cabelos
ou teus tantos outros belos
que compõem meu tesouro

Rodrigo Mebs lançou o livro OU Por amor OU Por Vício, no XIX Congresso Brasileiro de POesia, em Bento Gonçalves. Mais poesia do Rodrigo leia aqui http://frutafarta.blogspot.com 

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