quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

primeiro amor

primavera

furtividade da cor
acaso da semente
engravidando a terra

último amor
inverno

notas orientais
arte de podar
mágico bonsai

eterno amor é Hera

sandra santos


poemaginário

bebo minha memória num
punhado de palavras tristes

na desordem dispersa duma
sentença estranha

por isso tenho esse olhar
de ácido esmaecido

e um coração afeito ao riso

como se fosse o idílio
sob a lona de um circo

às vezes
simplesmente vomito

e finjo silêncios
no espasmo amargo
do grito

(lau siqueira – poemas vermelhos)

Felicidade

A doce tarde morre. E tão mansa
Ela esmorece,Tão lentamente no céu de prece,
Que assim parece, toda repouso,
Como um suspiro de extinto gozo
De uma profunda, longa esperança
Que, enfim cumprida, morre, descansa...
E enquanto a mansa tarde agoniza,
Por entre a névoa fria do mar
Toda a minh'alma foge na brisa:
Tenho vontade de me matar!
Oh, ter vontade de se matar...
Bem sei é coisa que não se diz.
Que mais a vida me pode dar?
Sou tão feliz!-
Vem, noite mansa...

Manuel Bandeira
In:"Estrela da vida inteira"

foto: artur gomes


EntriDentes 3

quando
pela primeira vez
mergulhei teus mares
Rio das Ostras
gozei de amor e ócio
não havia ainda
vândalos selvagens
não teus primitivos
mas os que vieram depois
para destruir a tua história
sem respeitar ao menos
a arqueologia dos teus ossos



2





a flor da tua pele
me provoca amor intenso
mas amor não tem nome
pele ou sobrenome
amor é sempre uma outra coisa
de tudo aquilo que penso amar-te não pelo acaso
de encontrar-te cabelos ao vento
onde provoca arte
em tudo aquilo que invento

artur gomes
http://juras-secretass.blogspot.com/

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

collagens fulinaímicas: artur gomes

BALADA PARA ZILDA ARNS

Hoje eu poderia morrer por tua causa
eu poderia até morrer de amor por ti.
Mas teu amor aflito me dá uma pausa
para morrer de amor maior por Haiti.

Só uma dor profunda sente tanta dor
maior que todo sofrimento que senti:
é a solidão da morte de não ter amor
o new apocalypse que varreu o Haiti.

Nós hoje poderíamos mudar o sonho
eu a dogmática verdade que aprendi
e tu a biografia obscura do medonho
apartaid racial que segregou o Haiti.

Hoje eu deveria viver por uma causa
que celebrasse a glória de viver aqui.
Porém a dor é tanta que parece rosa
sob os escombros ardilosos do Haiti.

Afonso Estebanez

travessia

de Almada
vou atravessar o Tejo
barco a vela
Portugal afora

em Lisboa
vou compor um fado
e cantar no porto
feito um blues rasgado
de amor pela senhora
que me espera em paz

e todo vinho
que eu beber agora
será como um beijo
que guardei inteiro
como um marinheiro
que retorna ao cais

travessia 1

com os dentes
cravados na memória
soletro teu nome
Cabo Frio

barco bêbado
fora do teu cais

caminho marítimo
por onde talvez
já passou meu pai

arturgomes
http://artur-gomes.blogspot.com/

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

POEMA DO ANO DEZ

louise marrie: - foto: jiddu saldanha

que o novo ano
seja um ovo
chocante.
verde, azul ou rosa,
como aqueles dos bares
das rodoviárias.
mas que seja também
um torso
constante
verde e rosa ou azul
e que ele te leve
longe das barbáries,
das intempéries e
das políticas que não tem
amor como raiz.

que o novo calendário
seja um ideário
que possa se realizar;
que o seu amor
seja possível de amar;
que esses mais outros dias
sejam de se rever
aquilo que se recusou
a reconstruir.

que a gente possa ter
um estojo
onde guarde
grafite, tinta e borracha
e saiba gravar o que é sempre,
o que é provisório,
o que é definitivamente
agradável ou nojo,
imprescindível ou descarte.
que a gente,
toda gente,
possa ver a luz do próximo dia
sem maldizer
mais um dia que nasceu.
que a gente
quando for fazer mais gente
que saiba que isso
inclui: amor, paz, carinho, zelo e
sustentabilidade.

quero dizer: não adianta
eu morrer por você,
eu parir alguém,
sem necessidade.

quero dizer:
que o novo ano
seja um ano novo,
um ovo
de colombo.

marco valença
http://www.marcovalenca.com/



Carne de Sol

Não quero que entre por meus olhos
Quero absorver-te hermética,
Sugado pelo umbigo
Não quero que chupe meus joelhos
Nem que me engula em saliva
Quero que cuspa o teu ventre
E que excrete a espinha dorsal
Colossal
Num prato raso, de barro cozido
Não aceito pontuação
Em minha pele ardida
Meu humor cachaça
Exala sorriso suado
Quero regaço al dente
Pimenta vermelha na orelha
Ao sol exposta a carne fresca
de minha flor dália
Secará salgada pelo ardor de todo teu despudor

DaliaTerra
http://wwwdaliaterra.blogspot.com/
SOBRE A DOR

14 Na segunda-feira o noticiário
transmite a semana.

Doem os olhos
fixados na tela disparatada:
a morte desencontrada dos atos
de bondade: o sorriso ampliado
em deboche.
O final do tempo
concedido ao comentário.
Apago a tela e me conformo.

(Pedro Du Bois, inédito)