terça-feira, 7 de dezembro de 2010

DA TRANSPARÊNCIA DOS CRISTAIS

DA TRANSPARÊNCIA DOS CRISTAIS

A moça
no caixa do supermercado
me diz boa noite
pergunta se quero o cpf
na nota fiscal
e me atira
um sorriso maquinal
que expressa tanta vida
quanto a que está contida
numa caixa de cereal.

A moça
no caixa do supermercado
usa óculos
tem o olhar cansado
e aparenta impaciência
diante da menina
de cabelo cacheado
que choraminga
por um pacote de bombom
diante da mãe que esbraveja
enquanto segura
quatro latas de cerveja.

A
moça no caixa do supermercado
é jovem e bonita
uma beleza modelada lentamente
dir-se-ia
até sorrateiramente
com o barro da desilusão
no rosto dos que fizeram
do próprio coração
monumento e mausoléu
da resignação.

São quase dez horas
e nesta noite de novembro
ela talvez pense
no namorado
nas contas a pagar
no ônibus lotado
em sua volta para o lar.

Mesmo jovem
ela talvez já saiba
que o mundo
trai mais que abriga.
O que ela
com certeza não sabe
é que talvez neste instante
poetas discutem o futuro da poesia
arqueologizam
a concisão dos haicais
mensuram
a transparência dos cristais
enquanto
em outros quintais
a pobreza cala a boca
de reles mortais.

Fernando Freire
Gama, 04.12.2010





tão pimenta tão petróleo

não espere que eu fale só de estrelas
ou do vinho feliz que não tomei
porque fora de mim
não levo além da sombra
uma camisa velha
e dentro do peito um balde de canções
uma gota de amor
no útero de uma abelha

não repare se eu não frequento clube
dos que sugam o sangue das ovelhas
ou amargam o mel dessa colméia
é que eu já vivo tão pimenta e tão petróleo
que se você acende os olhos me incendeia

hoje em dia pra gente amar devera
é preciso ser quase um alquimista
ou talvez o maquinista
do trem da consciência
pra te amar com tanta calma
e com tanta violência
que a tua alma fique toda ensanguentada de vivência

salgado maranhão

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