- um filme de Jiddu Saldanha
leia mais sobre Mário Faustino aqui http://goytacity.blogspot.com/
o mundo que venci deu-me um amor
um troféu perigoso esse cavalo
carregado de infantes couraçados.
o mundo que venci deu-me um amor
alado, galopando em céus irados
por cima de qualquer muro de credo
por cima de qualquer fosso de sexo.
o mundo que venci deu-me um amor
feito de insulto pranto e riso
amor que força as portas dos infernos
amoré que galga o cume ao paraíso.
amor que dorme e treme, e que desperta
e torna contra mim e me devora
e me rumina em cantos de vitória.
Mário Faustino
http://juras-secretas.blogspot.com/
1
entrevista
LITERATURA
O furacão Mário Faustino Por Carolina Stanisci
A pesquisadora Maria Eugênia Boaventura organiza a reedição da obra do poeta e crítico
“Poesia-Experiência” era aguardada com uma dose de curiosidade e outra de receio no meio literário dos anos 50. Caleidoscópio da poesia de todos os tempos, a página do “Suplemento Dominical do Jornal do Brasil” 1 divulgava novos poetas brasileiros ao lado de ícones do passado, transcrevia originais de seus poemas e continha críticas que apontavam defeitos -daí o temor- na obra até de nomes consagrados.
Quem escolhia o material a ser publicado e escrevia as críticas era Mário Faustino (1930-62). Jovem intelectual nascido em Teresina, seu texto contundente, erudito e didático não poupava medalhões como Drummond e Cecília Meireles quando necessário. O crítico exigia de todos o compromisso constante de invenção e de renovação da poesia.
E Faustino também disparava contra seus pares. Dizia que ao agir como “falsos confrades” os críticos em nada contribuíam com a evolução da poesia brasileira e acusava-os de falta de rigor. A página teve vida breve (1956-59), assim como o polêmico Mário Faustino, morto em acidente de avião, aos 32 anos. Incansável trabalhador intelectual, ele atuou também como tradutor, editorialista, cronista e professor 2.
Apesar da intensa atividade, Faustino teve só um livro publicado em vida, “O homem e sua hora”, de poemas. Há pouco tempo, o registro da atividade crítica e das traduções do crítico-poeta só podia ser encontrado nos jornais da época. Para dar fim a esse vazio editorial, começarm a chegar recentemente às livrarias os volumes “De Anchieta aos concretos”, “Artesanatos de poesia”, “Roteiro poético” e “É preciso conhecer”, da Companhia das Letras. Contendo críticas, traduções e teoria literária de autoria de Faustino, as edições são fruto do trabalho da professora e ensaísta Maria Eugenia Boaventura, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Boaventura investiga há cinco anos arquivos de jornal, manuscritos de poemas e a correspondência trocada pelo crítico. E constatou que a obra do poeta “ficou pairando como um fantasma” para gerações de escritores e estudiosos, embora sua obra não fosse de todo conhecida
3.
Para os próximos anos, ela prepara uma edição crítica das cartas do poeta. “É um material interessante, sério, importante, dolorido, ‘sangrante’. Mas com o qual só vou trabalhar depois que as pessoas conhecerem o Mário Faustino intelectual”, diz ela, na entrevista a seguir.
Qual a importância de editar a obra completa de Mário Faustino mais de 40 anos após sua morte?
Maria Eugênia Boaventura: Primeiro, porque essa obra estava fora das livrarias. Ela tinha sido editada esparsamente pelo Benedito Nunes e, em várias ocasiões que críticos e poetas interessantes davam entrevistas, falava-se em Mário Faustino. Eles sempre se referiam a ele. Faustino ficou pairando como se fosse um fantasma na cabeça desses críticos e poetas, como uma coisa meio nostálgica.
A presença dele é necessária em alguns momentos, pois ele fazia uma crítica bastante objetiva, dizia o que pensava sobre a qualidade da poesia e da crítica. Acho que num momento de confusão de valores críticos, de marasmo crítico e criativo, as pessoas se lembram de Faustino.
A sra. anotou na apresentação a “De Anchieta aos concretos” que a edição dos textos “reinventará a fisionomia” de Faustino. Em que sentido isso se dará e em que medida a edição contribui para a crítica atual?
Boaventura: A edição vai reinventar uma configuração mais abrangente, mais ampla e mais rica. Fiquei impressionada com a quantidade de material de um jovem de 30 e poucos anos que atuava como jornalista, era editorialista do principal jornal da época, o “Jornal do Brasil”, era professor da Fundação Getúlio Vargas e ainda conseguia fazer uma página dessa dimensão.
Acho que esse projeto, voltado para a poesia, vai dar uma dimensão ampla e desconhecida de um intelectual jovem que foi decisivo na história literária. Em relação à crítica atual, vai mostrar a necessidade de fazer crítica objetiva, às vezes dura, sem subterfúgios, direta, sem igrejinhas, sem clubes.
Faustino chegou a acusar seus pares de “falta de rigor” e afirmou que “a falta de confrades sinceros” poderia ser fatal à evolução da poesia brasileira. A sra. aplicaria esse julgamento à crítica atual?
Boaventura: Não se pode generalizar. As igrejinhas ainda existem. Em determinados momentos só acontecem coisas ligadas a grupos. A gente até sabe quem é que vai fazer a resenha sobre qual livro. Nada é surpresa. Nem as leituras sobre determinados livros não são mais inventivas e surpreendentes. Eu não sei se isso é ruim ou bom. Falta capacidade de discernimento, falta capacidade de julgamento crítico, de valoração, de dizer se a obra é boa ou não.
A crítica é subjetiva e é muito ligada a determinados grupos, ligada ao imediatismo, àquilo que pode trazer um brilho instantâneo, mesmo que se apague no outro dia. Isso tem melhorado, é claro. De 1962, quando ele morreu, para cá, a crítica se profissionalizou, os suplementos melhoraram.
Ele era temido por não poupar nem nomes consagrados, como Drummond e Cecília Meireles. A que se deve sua precoce ascensão no jornalismo?
Boaventura: Ele teve coragem de escrever. Não que eu concorde com todas as críticas e opiniões dele, mas eu constato certa coragem de dizer o que pensava sobre os ícones sagrados. Eu acho que a ascensão ocorreu pelo seu talento, pela capacidade de trabalho. Estar no momento certo na hora certa também ajuda, não?
Mas também havia um vazio de pessoas capazes de fazer o serviço que ele fazia, de fazer aquele tipo de crítica. Porque, além de ele ser jornalista, ele parou para estudar, para se capacitar com o instrumental necessário para fazer crítica literária. Não era uma crítica amadora, era uma crítica profissional. Aliás, nesse aspecto, coincidia com vários movimentos de profissionalização da crítica brasileira que surgiam a partir da universidade.
Faustino começou muito jovem no “Jornal do Brasil”, e a página “Poesia-Experiência” tornou-se referência em pouco tempo. Ele alcançou tudo isso apenas com a experiência nos jornais de Belém do Pará?
Boaventura: Em 1955, ele era muito jovem e publica a única obra que publicou em vida, “O homem e sua hora”. Ele publica pela mesma editora que Cecília Meireles fez “Canções”, a Livros de Portugal, que era uma editora famosa. Então esse livro causou bastante surpresa, foi bem recebido pela crítica, todo mundo gostou. Foi um livro importante e até hoje é. Ele começa a ser conhecido no Rio de Janeiro a partir daí.
Mas o exercício dele de jornalista havia começado há muito tempo. Com 18, 19 anos, ele já trabalhava nos jornais do Pará. Em Belém, naquela época, havia um grupo bastante animado, inclusive Clarice Lispector chegou a morar nessa época em Belém. Era um grupo de jovens atuantes, de poetas e críticos, como Oliveira Bastos, Benedito Nunes, Clarice e um poeta norte-americano chamado Robert Stock, dentre outros.
Havia uma relação muito grande dos suplementos paraenses com o eixo Rio-São Paulo. Muitos poetas do Sul contribuíam com esses jornais (de Belém), como Álvaro Lins, o próprio Drummond e Manuel Bandeira. Se você folhear, e eu tive a paciência de folhear esses suplementos, vai ver que são de alta qualidade. No “Jornal do Brasil”, Mário Faustino exerceu o mesmo trabalho que fazia em Belém de redator, tradutor, crítico e poeta, como tinha também muita tarimba. Ele não começou de supetão.
Faustino tachava a produção literária do Brasil Colônia de pouco inovadora, pois ela imitava o modelo europeu da época. Mas não teria ele também adotado modelos, como Ezra Pound?
Boaventura: Se você tomar desse ponto de vista, é verdade. Mas o problema não é se inspirar nos modelos europeus, não vejo nenhum mal nisso se os modelos são bons, venham de onde vierem. O problema é a visão acrítica desses modelos, a implantação, a aplicação imediata desses modelos sem adequação, sem a relativização. No caso da literatura colonial, o defeito do Mário Faustino era o seguinte: ele olhava com olhar moderno, dizia que não era inovadora, que não tinha originalidade etc. Não era uma postura adequada para analisar esse tipo de obra, porque até antes do romantismo, essa coisa de originalidade, de inventividade, não se colocava.
Mário Faustino destacou criadores que hoje estão esquecidos, como Ruy Costa Duarte. Quais outros poetas “injustiçados” pela crítica foram merecidamente resgatados por ele, na sua opinião?
Boaventura: A crítica do Mário Faustino muitas vezes é intempestiva. É, muitas vezes, de tiradas de opiniões, e ele não faz sempre o que cobra dos outros. Ele toma um certo partido. Mas traz à tona gente esquecida, ou dá oportunidade a talentos jovens. Como, por exemplo, Lélia Coelho Frota, poeta interessante que está viva e ainda publica. Ela estreou na página do Mário Faustino. Outros poeta que estrearam lá foram José Lino Grünewald e Marly de Oliveira, que mais tarde se casou com João Cabral de Melo Neto e que tem um trabalho razoável.
Outro que merece ser estudado e apareceu lá foi Homero Homem. E também Walmir Ayala, que depois se tornou poeta conhecido. E há vários que vão por outro caminho. Faustino reconhece seu talento e os publica, mas eles não seguem a carreira. Como Cacá Diegues, Vera Pedrosa. Há também Francisco Alvim, que estréia como poeta novo. Porque não só o Mário Faustino apresentava, com uma crítica ou ensaio, mas também publicava a poesia e fazia uma notinha embaixo. A chance de você ser publicado ao lado de grandes poetas era um grande orgulho para os novos autores.
Por que Faustino deu por encerrada sua atuação em “Poesia-Experiência”, em 1959?
Boaventura: Quando ele começa a página, ele constata duas coisas. Primeiro, a mornidão da crítica, uma certa pasmaceira, uma falta de profissionalismo e de objetividade. A segunda coisa que constata é que a poesia vivia uma fase de transição, pois estava sem vigor, sem inventividade, sem dinamismo e sem novidade.
Nesse tempo a Geração de 45 vinha decrescendo, numa fase de repetição, de estagnação. E havia a coincidência da produção mais madura dos poetas principais do modernismo. Drummond, com “Claro enigma”, de 1945; Cecília Meireles, com “Romanceiro da Inconfidência”; Jorge de Lima, com “Invenção de Orfeu”; etc. Os poetas modernistas, contra os quais a Geração de 45 se opunha, estavam produzindo suas obras mais importantes. Talvez isso seja o motivo por que a Geração de 45 não tenha tido tanto alcance na época. Havia o fantasma dos modernistas ainda pairando...
Mas aparece o concretismo, com o qual Faustino se entusiasma. Por que então parou de escrever a página “Poesia-Experiência”?
Boaventura: Ele se entusiasma tanto com o trabalho dos concretos, que se junta a eles. Eles têm grande amizade, ele recebe a colaboração de poetas, como as traduções que pedia. Mário abre o suplemento para a poesia concreta paulista, que era desconhecida no Rio. Mas ele termina a página pelo seguinte: ele achava que em dois anos e meio ele já havia feito o trabalho. E qual era o trabalho? De revigorar a poesia, de apresentar novos poetas, de fazer uma crítica diferente. O trabalho dele como “missionário”, ele cumpriu. Era uma espécie de curso de poesia. Ele pode ter se cansado. Na verdade, não há uma explicação para o fim da página.
Depois disso ele foi se dedicar somente à poesia?
Boaventura: Houve um convite para ser correspondente nos EUA, e ele aceita porque queria mais tempo para fazer poesia, para ser poeta. Esse era o grande objetivo, ele queria ser poeta em tempo integral. O jornalismo era uma espécie de sobrevivência.
Chama a atenção o didatismo dos textos publicados no “JB”, como o exame que faz do barroco brasileiro. Ainda assim, o crítico não é objeto de estudo sistemático na universidade. Por que essa ausência?
Boaventura: Primeiro porque as obras não estavam nas livrarias. Um dos trabalhos da crítica literária é trazer coisas inesperadas à baila. Eu até tinha um projeto grande, de recuperar os editoriais do “Jornal do Brasil” feitos por ele. Mas tem uma certa dificuldade, porque editorial não é assinado. Mas seria interessante, era um momento complicado no Brasil: anos JK, época de instabilidade, de várias complicações. Eu queria ter levantado a análise do Mário Faustino puramente jornalística, o seu jornalismo político, editorialista.
Sobre o Mário Faustino poeta, qual é sua melhor fase? Seria a dos poemas mais experimentais, como “Ariazul”?
1 - Quem criou o “Suplemento Dominical do Jornal do Brasil”, o “SDJB”, foi Reynaldo Jardim. Com diagramação mais leve, explorando espaços em brancos, o suplemento impulsionou mais tarde a mudança gráfica e de conteúdo de todo o “Jornal do Brasil” e proporcionou a criação do precursor dos cadernos culturais, o “Caderno B”.
2 - Faustino morreu num acidente de avião quando ia a Nova York assumir o posto de correspondente internacional do “JB”. Foi também: editor-chefe da “Tribuna da Imprensa”; redator, crítico e cronista dos jornais “Província do Pará” e “Folha do Norte”, de Belém, redator e editorialista do “JB”, professor na Fundação Getúlio Vargas. Nos Estados Unidos trabalhou para a ONU e estudou teoria literária.
3 - “De Anchieta aos concretos” foi lançado em 2003. “Artesanatos de poesia” é previsto para maio de 2004. Os outros livros serão publicados nos próximos anos, segundo Maria Eugenia Boaventura, um por ano em média.
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