segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Artur: faca de vários gumes



Por Adriano Moura , em 23-11-2009
http://www.fmanha.com.br
ALGUMA POESIA

não. não bastaria a poesia deste bonde que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a lapa carregada de pivetes nos seus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos.

não. não bastaria a poesia cristalina
se rasgando o corpo estão muitas meninas
tentando a sorte em cada porta de metrô.
e nós poetas desvendando palavrinhas
vamos dançando uma vertigem
no tal circo voador.

não. não bastaria todo riso pelas praças
nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
com os pardais despedaçando nas vidraças
e as mulheres cuidando dos seus filhos.

não bastaria delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e uma cheiro de fêmea no ar devorador

aparentando realismo hiper-moderno,
num corpo de anjo que não foi meu deus quem fez
esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa cósmica e profana poesia
entre as pedras e o mar do Arpoador
uma mistura de feitiço e fantasia
em altas ondas de mistérios que são vossos

não. não bastaria toda poesia
que eu trago em minha alma um tanto porca,
este postal com uma imagem meio Lorca:
um bondinho aterrizando lá na Urca
e esta cidade deitando água em meus destroços
pois se o cristo redentor deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria padre-nossos
e na certa só faria poesia com os meus ossos.

Artur Gomes
In Couro Cru & Carne Viva
Prêmio Internacional de Poesia – Quebec – Canadá 1987
Poeta, ator, produtor, compositor, agente cultural, inquieto “cachorro doido”. É impossível falar da poesia de Campos dos Goytacazes sem mencionar um de seus principais militantes. Artur é um tipo de poeta sem “papas”, mas com “farpas” na língua. Seu texto é cortante da vertente política à amorosa. Artur é musical, intertextual.
Seus poemas pertencem a uma classe específica: a dos que precisam também ser falados em voz alta. Não é um poeta apenas para estantes, mas para o palco, bares, ruas, etc. E assim faz o poeta, que freqüenta várias cidades do Brasil declamando seus textos, participando de mostras e festivais.
Em Campos, foram muitos os eventos e as performances produzidos por ele. Desde mostras visuais de poesia brasileira a happening em ônibus e bares.
O poema acima apresenta um eu-poético deslizando pelos prazeres e paisagens da urbana Rio de Janeiro dos anos 80. O verso conciso é também carregado de imagens sonoras seqüenciadas em rimas com aliterações e assonâncias como “porca” “Lorca” “Urca”. Esse recurso aparece com freqüência em outros textos do poeta. Será uma das razões de tantas parcerias de Artur Gomes com músicos como Paulo Ciranda e Luiz Ribeiro?

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