segunda-feira, 8 de novembro de 2010

ESTÁTUA POLÍTICA

E a estátua
pálida
e a estátua
estática
e a estátua
polêmica
e a estátua
bêbada
e a estátua
cética
e a estátua
ética
e a estátua
pública
e a estátua
trêmula
e a estátua
vítima
e a estátua
de repente
nem se movia
e ria
do povo que passava
e a estátua
política
nem se mexia

(Renato Gusmão)


dos que predam e dos que são predados

ele
me pediu cinqüenta centavos
eu
dei a ele dois reais
quando lhe estendi a mão
sorriu um sorriso cariado
de submissão
ele
me reconheceu
eu
o reconheci
há cinco anos atrás
aluno da 4ª. série
cumprindo medida
sócio
educativa
quando conversava
mantinha a cabeça baixa
a voz num sussuro
quinze anos
e quase analfabeto
quase menino
quase homem
quase gente
Quasímodo

eu
e ele
havíamos mudado
o mesmo rio do tempo
havia nos banhado
nos envolvido
e transformado
e ao nosso redor
todos dormiam
o sono de Caim
e espinhos devoravam
as pétalas do jardim

nenhum solo de Coltrane
ou rima do Facção Central
serviria como trilha sonora
para o Desencanto
daquela hora
daquele instante
em que a esperança
se tornou figurante

não era a Pedra
no caminho de Drummond
não era o Bicho
de Bandeira
era a miséria
tremulando sua bandeira
era uma vida
que descia na ladeira
e falava comigo
me afastando
de meu umbigo

Fernando Freire

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